PORTO ALEGRE JÁ FOI PARIS
Márcio Pinheiro é um craque em publicar no Facebook textos brilhantes. Esse é um trecho de um texto de Sergio Jockymann que prova que Porto Alegre já foi Paris.
Quando dei com o quadro, meu velho coração se iluminou: “Ah”, disse eu, “a Praça da Alfândega!”. “Mas que Praça da Alfândega”, rosnou o dono da casa, “troca os óculos, isso é Paris”. Troquei, era mesmo. Nem sei de quem era o quadro, porque não consegui decifrar a garatuja que havia no canto inferior. O dono da casa me garantiu que era um quadro famoso: “É um desses caras que todo mundo conhece, Monet, Renoir, sei lá. Comprei a reprodução do Clube do Livro porque era Paris da Belle Epoque.” Meu velho coração teimou que não era. Velho, isso é Porto Alegre de 45. O dono da casa riu selvagemente: “Isso é Paris, ceguinho. Porto Alegre nunca foi assim”.
Foi, eu sei que foi. Eu estava lá. O Centro de Porto Alegre era Paris da Belle Epoque sem tirar nem pôr. Quem conheceu Porto Alegre dos anos 40 e tem a reprodução em casa vai concordar comigo. Claro, aquela mulher com a menina na mão nunca andou por aqui. Mas aquele café iluminado era o Rex, e mudo de nome se aquele restaurante não era o velho Ghilosso, onde serviam umas batatas fritas que derretiam na boca. Mais pra lá e o Grande Hotel, onde bastava passar a porta para ser chamado de Excelência.
Sim, senhores, aquilo era centro de cidade. Banco, que eu me lembre, só havia o Banco Nacional do Comércio, lá do outro lado da praça, onde, depois de olhar embasbacada para aquela vastidão, minha avó declarou que Deus Nosso Senhor devia morar numa casa igual. Também não havia esse monstrengo que a Caixa Federal construiu no meio da praça. Em seu lugar, havia uma rua com uns lindos sobrados perfiladinhos, onde o professor Loanzi ensinava jiu-jitsu e, mais tarde, foi instalado o Diretório Metropolitano do PTB, onde Brizola descobriu o Brasil, fazendo palestras nas sextas-feiras.
Sobrava luz, fiquem sabendo, e não havia nada dessas lâmpadas cadavéricas de mercúrio que deixam todo mundo com cara de vampiro, mas lindos lampiões de ferro batido, importados da Inglaterra. Made in England, sim senhores. Até o porto-alegrense mais chinfrim virava Humphrey Bogart, fumando um cigarro debaixo de um poste daqueles. Mas o melhor eram os cafés e agora, na afobação de lembrar de todos eles, esqueci o nome do mais bonito (será que não era Rialto?), onde havia um chá das cinco com tangos para gentis senhoritas da capital. À noite, as senhoritas gentis sumiam e as manteúdas eram levadas para jantar um peixe à belle meunière que, sabe-se lá porque razão, era o prato preferido de todas as alternativas famintas.
Por sinal, agora me dou conta que centro de cidade que se preze precisa ter no mínimo um café em cada esquina e quatro restaurantes por quarteirão. Mas café, pelo amor de Deus, não esses corredores, onde todo mundo toma cafezinho como se estivesse no mictório. O Centro de Porto Alegre tinha o dobro disso. Sem falar da confeitaria Rocco, onde não era preciso perguntar se tinha, porque havia tudo o que pudesse ser comido ou bebido naquele mundinho tranquilo. Um dia, num impulso tresloucado, pedi Guaraná Saraiva e ele veio, servido em taça de champanhe. Não era esse xarope amarelo que vendem por aí, mas guaraná purinho do Amazonas, preparado em Belém do Pará para quem sabia o que era bom. Por sinal, não era, mas, sempre que o garçom servia uma garrafinha provocava cochichos em toda a confeitaria. Havia respeito pelos conhecedores, se é que vocês de agora me entendem.
O Sergio Jockyman escrevia de forma magistral, parece que visualizei a cidade, somente pelo texto primoroso.
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