ANDO DEVAGAR
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especial
Nesta sexta, uma cesta
de Cassandra Rios!
a vender um milhão de livros
Se o homem escreve, ele é sábio, experiente.
Se a mulher escreve, é ninfomaníaca, tarada.
Talvez não seja tão ruim ser diferente.
Cassandra Rios (Odette Pérez Rios, nome verdadeiro) nasceu 3 de outubro de 1932, em São Paulo, onde cresceu em uma família de classe média alta de Perdizes, na cidade de São Paulo. Filha dos imigrantes espanhóis Graciano Fernández Ríos e Damiana Pérez Ríos, ambos naturais da vila da Gudiña, província de Ourense, na Galiza. Escrevia ficção, mistério e principalmente sobre homossexualidade feminina e erotismo, sendo a primeira escritora a tratar do tema.
Ninguém foi mais perseguida pelos censores do regime militar do que elas, escritora recordista em vetos durante o regime, com 36 dos seus 50 livros publicados censurados durante a vida - fora algumas edições clandestinas.
Em 1948, aos 16 anos, publicou seu primeiro livro: A Volúpia do Pecado, uma história de amor entre duas adolescentes, se tornando a primeira autora do país de romances eróticos voltados ao universo da homossexualidade feminina.
Na época, após ter sido rejeitado por todas as editoras de São Paulo, A Volúpia do Pecado foi publicado pela própria Odette com dinheiro emprestado por sua mãe. Sob o pseudônimo de Cassandra Rios, em homenagem a sacerdotisa grega que profetizou o episódio do "cavalo de Troia", o livro de estreia fez tanto sucesso que chegou a ser reeditado nove vezes em pouco mais de dez anos.
Até que, em 1962, foi proibido e tirado de circulação por ofender os valores familiares. Entre 1964 a 1985 outras três dezenas de livros da escritora foram proibidos. Ficou conhecida como a "escritora maldita", pela ditadura, devido aos conteúdos publicados, a sua sexualidade em uma época conservadora - a escritora era assumidamente lésbica - e a sua popularidade com as classes ricas e pobres incomodaram muito os que estavam no poder.
"A sociedade rotula o homossexual como cachaça de macumba, não como uísque", brincou a escritora em 2001, pouco antes de morrer, ao lembrar da sua trajetória.
Durante sua carreira Cassandra escreveu mais de quarenta romances que lidam com o tema da homossexualidade.
Em 1986 foi convidada a se candidatar a deputada estadual pelo PDT durante um programa na Rádio Bandeirantes em que entrevistava Adhemar de Barros. Candidatou-se com o número 12169, não tendo sucesso.
Tornou-se, em 1970, a primeira escritora brasileira a atingir a marca de um milhão de exemplares vendidos, sendo que 36 dessas obras foram censuradas durante a ditadura militar. Foi, ainda, o primeiro caso conhecido de uma escritora nacional a viver exclusivamente da venda de seus livros, nunca tendo exercido outra profissão.
Mesmo censurada, Cassandra era persistente, continuava escrevendo. No final, a própria censura ajudou a transformá-la em um mito. Mais que um xingamento, a fama de escritora maldita se transformou em um rótulo lucrativo para as editoras.
Ainda que fosse um sucesso de vendas entre os anos 1950 a 1980, e de popularidade, Cassandra foi perseguida e tirada de circulação com tanta ferocidade pelos militares que até hoje é difícil encontrar seus mais de 50 livros em livrarias e sebos.
Com os direitos autorais que recebia de seus livros, a escritora mantinha um padrão de vida elevado: Tinha seu próprio apartamento no Centro de São Paulo, uma casa em Interlagos, na Zona Sul de São Paulo, uma chácara em Embu das Artes e alguns carros, além de sua própria livraria.
Com a perseguição dos censores, Cassandra foi à falência em 1976, ano em que 14 obras da escritora foram censuradas em apenas seis meses. Ela perdeu quase tudo e teve de fechar a livraria temporariamente.
Para sobreviver, Cassandra passou a escrever artigos para revistas e jornais, e criou um pseudônimo: Oliver Rivers, para conseguir publicar livros e equilibrar as contas.
Com seu pseudônimo masculino, Odette conseguia passar pela censura e vender os livros, igualmente eróticos. Isso comprova que a perseguição era contra a pessoa Cassandra, e não só contra sua literatura. A escritora, enquanto assinava seu pseudônimo feminino, Cassandra, foi levada com frequência pelo DOPS para depor, a cada vez que um livro seu era publicado, onde a maioria deles foram queimados. Aqueles que conseguiam comprar as obras proibidas de Cassandra liam os livros com receio de serem descobertos.
"Escondiam meus livros debaixo do colchão, meu nome virou palavrão!", contou a escritora em uma entrevista dada em 2001 à revista TPM.
A vida de Cassandra Rios se tornou ainda mais difícil a partir de 1968, com a promulgação do AI-5, que oficializou a censura.
Em uma entrevista à revista Realidade, em março de 1970, a escritora revelou que a censura lhe causava abalo emocional e decepção.
Mesmo escrevendo, com o tempo a escritora passou a ter medo dos militares, se tornando muito reclusa. A perseguição da ditadura a deixou muito mais reservada.
Enraivecida com a censura de suas obras e com o rótulo de pornográfica - Cassandra não gostava desse estereótipo -, a escritora publicou A Santa Vaca, em 1978, uma espécie de resposta à perseguição e difamação causada pelos militares.
"Escrevi A Santa Vaca de raiva", disse a autora quando questionada se o objetivo do título do livro, que conta as fantasias eróticas por trás de uma jovem considerada boa moça, era chocar. "De tanto me perseguirem, resolvi fazer pornografia, então fiz esse livro. Na introdução, está a minha intenção: Mostrar a força da mulher ao ser chamada de prostituta", contou Cassandra Rios em entrevistas. Este livro lhe concedeu a alcunha de"A escritora mais proibida do Brasil".
Cassandra não conseguia entender por que o erotismo era algo a ser combatido pelos ditadores. "Pornografia é a intenção deliberada de chocar. É o sexo pelo sexo. Nos meus livros, o sexo só acontece em função do amor, para realizá-lo plenamente e sem preconceitos", esclareceu a escritora na entrevista à revista Realidade.
Casou-se na Igreja aos 18 anos, com seu melhor amigo gay. A união, contudo, era de fachada, pois ela queria sair de casa sem contar aos pais sobre sua sexualidade. Após ficar viúva, decidiu assumir publicamente sua homossexualidade para a família e os amigos, e passou a viver sozinha. Manteve relacionamentos estáveis com mulheres anônimas e famosas, mas não quis casar-se.
Em entrevistas, revelou: "Sou uma criatura simples, comum, cheia de problemas, tristezas e amarguras. A vida de escritora tem sido muito dura para mim".
Cassandra Rios faleceu em decorrência de uma doença terrível, que não escrevo o nome, em 2002, aos 69 anos, no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. Ela vivia sozinha em seu apartamento em São Paulo.
Romances:
1948 Volúpia do Pecado
1948 Carne em delírio
1949 Eudemônia
1951 O gamo e a gazela
1952 O bruxo espanhol
1952 A lua escondida
1952 A sarjeta
1952 A paranoica
1954 Minha metempsicose
1956 As vedettes
1956 A madrasta – Copacabana posto 6
1956 Georgette
1961 Tara
1962 A borboleta branca
1962 Muros altos
1962 A noite tem mais luzes
1963 A breve história de Fábia
1965 Uma mulher diferente
1965 Macária
1965 Tessa, a gata
1965 A serpente e a flor
1965 Um escorpião na balança
1965 Veneno
1971 Canção das ninfas
1971 As mulheres do cabelo de metal
1971 Mutreta
1973 Nicoleta Ninfeta
1975 Marcella
1975 As Traças
1977 Anastácia
1978 Uma aventura dentro da noite
1978/1979 A santa vaca
1978/1979 Patuá
1978/1979 Maria Padilha
1979 O gigolô (como Oliver Rivers)
1979 Prazer de pecar
1980 Marcellina
1981 Eu sou uma lésbica
1997 Entre o reino de Deus e o reino do Diabo
Autobiografias:
1977 Censura – minha luta, meu amor
2000 MezzAmaro – flores e cassis
Póstumos:
2005 Crime de honra
Livros sem data de publicação:
A piranha sagrada; O pantanal da vida; Carla Naja; Cabeleiras ao vento; Os cabelos de Nereide Sargitarius; Mala Raça; Antídoto; A hóstia do diabo; O office-boy; A casa das almas; Fria; Mulher de rua; Na tela das pálpebras dos meus olhos; Brasil no meu bolso; Orgástica; Moteis, hoteis e bibocas; Telefona para mim; Último desejo; A profecia de Pavlova; Mãe de santo; O livro negro de Bonifácia; Gatas da noite; Marieta; Valéria, a freira nua; Mônica, a Insaciável (como Oliver Rivers); A raposa vermelha.
Documentário:
Em 2013 estreou o documentário Cassandra Rios: a Safo de Perdizes, direção de Hanna, o filme traz depoimentos de pessoas que participaram da vida da autora de alguma forma, como a sobrinha Liz Rios, a atriz Nicole Puzzi, a escritora Lúcia Facco, o editor Maxim Behar, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, Dr. Martim Sampaio, entre outras personalidades. Nicole Puzzi estrelou em dois longas-metragens extraídos de livros de Cassandra, Ariella (1980) e Tessa, a Gata (1982).
O ressurgimento de Cassandra Rios, a escritora mais censurada do Brasil
Por Maria Carolina Santos, em 25/04/2019
Ela estava longe de ser comunista e seus livros mal falavam sobre política. Mesmo assim, Cassandra Rios foi a escritora mais censurada pela ditadura militar. Até 1985, 37 dos seus livros haviam sido, em algum momento, retirados do mercado. A editora CBS, que editava suas publicações, chegou a ser fechada pelos militares. A censura não era algo novo para Cassandra. Ela, que estreou na literatura em 1948, já havia sido processada pelo Estado em 1952, durante o governo eleito de Getúlio Vargas. Na democracia ou na ditadura, o crime foi o mesmo: expor em livros o prazer feminino.
“A vagina é oca. Nela cabe a mão inteira. A minha coube. Senti-a entrando, penetrando, alargando caminho. Dedos unidos, espremidos. Todos. Dentro da vagina de Desirée. Socando, socando. Ela gemendo e eu assustada, mais do que isso, angustiada, ouvindo-a dizer, enquanto em minha mente uma cortina de pó branco rebrilhava, caindo como uma estranha chuva fina numa prato de sopa:
– Mete mais, põe tudo, assim, neném, com força…me rasga…faz forte.”
Trecho de Eu sou uma lésbica, de 1980
O nome de Cassandra Rios entrou no ostracismo em meados dos anos 1980, mas ainda ressoa forte em muitas gerações. Foi uma prolífica autora de romances eróticos – ela rechaçava o adjetivo de “pornográfica”, que era como os censores classificavam sua obra. Chegou a dizer que eram “livros de amor”.
Acumulou pioneirismos e recordes: escrevendo e publicando desde cedo, foi uma das poucas escritoras a viver somente com o dinheiro dos direitos autorais. Era imensamente popular. Foi a primeira a atingir 1 milhão de cópias vendidas no Brasil – antes de Jorge Amado, que se dizia fã dela, e de Paulo Coelho. Costumava declarar que, se era a mais censurada, era porque era a mais vendida. “Só cajueiro doce recebe pedradas”, dizia.
Agora, Cassandra Rios está voltando a ser lida. Aos poucos, graças ao ativismo LGBT, a obra dela vem sendo retirada de debaixo dos colchões para pesquisas acadêmicas, saraus, debates. Foi o que aconteceu na noite da terça-feira (23), no anfiteatro lotado do Centro de Ensino de Graduação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) para a exibição do documentário “Cassandra Rios – a safa de Perdizes”, que contou com debate com a diretora Hanna Korich, dentro do projeto de literatura lésbica Vulvas políticas.
Nascida Odete Rios em 1932, em uma família burguesa de imigrantes espanhóis, Cassandra era abertamente lésbica no convívio pessoal. Gostava de sair com roupas masculinas, mas fugia do questionamento sobre sua sexualidade em entrevistas. No documentário, a atriz Nicole Puzzi relembra que era advertida por amigos da pornochanchada por ser amiga da escritora. Mesmo em um meio supostamente liberal, a homossexualidade feminina ainda era vista como um tabu.
Puzzi foi a musa de Cassandra. Estrelou três filmes baseados em títulos dela. A versão de A Paranóica, que nas telas virou o drama erótico Ariella, se transformou numa espécie de filme cult, marcado pela estreia de Christiane Torloni no cinema. Teve mais de um milhão e trezentos mil espectadores em 1980.
Com o dinheiro dos livros e filmes, Cassandra levou uma vida confortável. Comprou carros (chegou a ter cinco), o apartamento em que morou no final na vida no centro de São Paulo, uma casa no bairro de Interlagos.
A censura a obrigou a fazer péssimos contratos editorais. Como não podia assinar suas obras, escolhia pseudônimos masculinos. “Todos com sobrenomes que eram a tradução de Rios, como Rivers e Rivières”, lembrou a autora em entrevista a Jô Soares em junho de 1990. As editoras se aproveitavam da situação – alegavam que não teriam lucro sem o nome dela – e ficavam com os direitos autorais dos pseudônimos.
Ao longo das perseguições, Cassandra recebeu pouco apoio da militância de esquerda. Em 1977, um manifesto contra a censura assinado por centenas de artistas – conhecido como “Manifesto dos Intelectuais” – não citava o seu nome. A Comissão Nacional da Verdade (CNV), no entanto, reconheceu a perseguição. O relatório final afirma que ela teve 36 obras censuradas durante a ditadura e que 16 processos judiciais foram abertos contra o livro Eudemônia. “As acusações iam sempre no sentido de que seus textos continham conteúdo imoral e aliciavam o leitor à homossexualidade… Pode-se afirmar que Cassandra Rios foi a artista mais censurada deste país durante a ditadura militar”, diz trecho do relatório da CNV.
Cassandra teve uma rápida passagem pela política: em 1986 chegou a se candidatar pelo PDT para o legislativo paulista, mas não teve votos suficientes para ser eleita. Após a redemocratização, Cassandra viveu uma fase mais reclusa. Com os livros fora de catálogo, ela vendeu quase todos os seus bens. Trabalhou também como editora e ghost writer.
Os jornais dedicaram poucas linhas ao falecimento dela no hospital Santa Helena, em 8 de março de 2002, vítima de câncer. A amiga de longa data Yáskara afirma no documentário que a morte de Cassandra foi tranquila e aconteceu em um bom hospital graças ao auxílio da hoje deputada federal Luiza Erundina.
Na última entrevista que concedeu, um ano antes de falecer aos 69 anos, Cassandra contou para a revista TPM que ainda escrevia todos os dias. Se recusou a se declarar lésbica (“A Cassandra sim (..) acho que pelo menos a Odette deve ficar incógnita”) e comentou que “nunca quis pertencer a nenhuma igrejinha” ao falar da esquerda.
Confessou também que vivia há anos em um voto de castidade – uma promessa feita com a mãe na UTI. “Fui massacrada (por ser mulher). Desde os primórdios da civilização a mulher luta pelo direito de falar, de pensar. Se o homem escreve, ele é sábio, experiente. Se a mulher escreve, é ninfomaníaca, tarada. Nunca pensei desse jeito. Escrevi com a ingenuidade de quem nasce escritor”, afirmou.
Mesmo posta repetidamente à margem, Cassandra sabia bem do valor da sua obra. Ao ser perguntada, nesta última entrevista, qual era o lugar que lhe cabia na literatura brasileira, ela foi certeira: “Na mão do leitor!”. “Não quero receber troféus, honrarias ou méritos. Quero ser lida, mesmo que achem uma droga”.
“Eu sou uma lésbica. Deve a sociedade rejeitar-me?
(…)
Em que situação uma homossexual deve ser rejeitada, compreendida ou aceita? Quando engana o homem com as suas dissimulações ou quando enfrenta a sociedade abertamente, sem esconder o que é?”
Trecho do livro de 1980
Era um sucesso de vendas entre os anos 1950 a 1980 - e de popularidade já que personalidades como Jorge Amado e o Bandido da Luz Vermelha eram fãs declarados da escritora.
Quem lembra da Nicole Puzzi?
A própria censura ajudou a transformá-la em um mito. Mais que um xingamento, a fama de "escritora maldita" se transformou em um rótulo lucrativo para as editoras.
Literatura de Cassandra Rios educou uma geração
Marcelo Rubens Paiva publicou este texto oito dias depois da morte de Cassandra Rios, na Folha de S.Paulo:
Cena 1: Anos 70. Os amigos de escola Marcelo, Marcus e Eduardo, todos com seus 15 anos, viajam num ônibus pela Dutra.
Marcelo lê um livro, rasga a página lida e entrega para os amigos. Eventualmente, eles comentam a narrativa. Eventualmente, algum deles se levanta para ir ao banheiro. Vai fazer justiça com as próprias mãos.
Close: A capa era de "A Gata" ou "Carne em Delírio", livros que prestavam um grande serviço a milhares de leitores, passavam de mão em mão, alimentavam a imaginação e acabavam educando uma geração.
São obras da escritora Cassandra Rios, que morreu na semana passada em São Paulo.
Cena 2: Da janela do ônibus, vê-se um Brasil conservador. Nada de revistas eróticas nas bancas. Nada de programas de TV analisando a sexualidade e seus labirintos. Nada de educação sexual nas escolas. Nada de amor livre, sexo antes do casamento, concepção. E, sim, as mulheres não sentiam prazer na relação, dizia-se.
Cena 3: Corta para o cemitério Santo Amaro, em São Paulo, março de 2002. No enterro de Cassandra Rios, na verdade Odete Rios, nascida em 1932, um parente recita uma frase dita por ela, enquanto joga terra sobre o caixão: "Se o homem escreve, ele é sábio, experiente. Se a mulher escreve, é ninfomaníaca, tarada".
Cena 4: Nas estantes das maiores livrarias do país, procura-se em vão uma obra da autora, que vendia 300 mil exemplares por ano à sua época.
Também não há referências sobre ela em sites de livrarias. Encontra-se apenas um livro, que amarela num sebo, mas tem e teve lugar reservado na memória de muitos -como o cantor Cazuza e a escritora Fernanda Young.
Contexto
Como dita os manuais da literatura comparada, para entender Cassandra Rios é preciso entender sua época e ambiente.
Não havia imagens de sexo, a não ser em livros de medicina legal. No Brasil pré-contracultura, taras individuais não eram debatidas. O estranho era considerado desvio a ser combatido pelo Estado, com a censura.
A exibição de seios só era permitida em documentários sobre índios. "Amaral Neto, o Repórter" serviu para muitos adolescentes descobrirem o que havia escondido numa mulher.
Cassandra falava às claras sobre o prazer feminino. Talvez por isso tenha sido uma das personalidades mais censuradas.
Tratava-se de uma mulher escrevendo sobre tesão de mulher, numa sociedade cuja predominância religiosa afirmava que a mulher apenas se deitava com um homem para gerar filhos de Deus.
Seus livros surpreendiam. Cassandra rivalizava com uma outra autora erótica e sua contemporânea, Adelaide Carraro, assim como Hemingway rivalizou com Scott Fitzgerald.
Enquanto Cassandra tinha um estilo mais ousado, extrovertido, Adelaide era linear, contida. Em Cassandra, há empresários corruptos, que fazem despachos em terreiros de umbanda.
Cassandra já no título era direta, como, por exemplo, "A Volúpia do Pecado", de 1948, seu livro de estréia, que a transformou numa das autoras mais vendidas da história da literatura brasileira.
Ela o escreveu com 16 anos. Fazia uma literatura assumidamente popular. Eram livros baratos. Havia desenhos provocantes nas capas: moças oferecidas em poses sutilmente sensuais.
Nas poucas entrevistas que deu, ela dizia que, no fundo, era uma simples dona-de-casa conservadora, que suas narrativas fluíam sem controle e que ela mesma ficava enrubescida com aquelas cenas mais quentes.
Chegou a escrever um livro "sério", "MezzAmaro", uma autobiografia que não fala de sexo, com 400 páginas. Chegou a ter o livro "A Paranóica" adaptado para o cinema, sobre uma filha que descobre que seu pai é falso e quer apenas roubar a grana da família. Na tela, o livro virou "Ariella", revelando a atriz Nicole Puzzi.
Em muitas faculdades brasileiras, pesquisadores deveriam estar estudando Cassandra Rios. Foi uma precursora. Sua importância não será esquecida. Nem a libido de suas personagens.
Leia Carne em Delírio:
Se for para ler sobre erotismo adolescente, prefiro Vladimir Nabokov, com o inigualável Lolita.
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