ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA
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especial
Nesta sexta, uma cesta
de Vinicius de Moraes!
Nádegas é importantíssimo. Grave, porém, é o problema das saboneteiras. Uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes.
Eu sem você
sou só desamor
um barco sem mar
um campo sem flor.
Ninguém é perfeito: Vinicius foi integralista
Vinicius de Moraes (Marcus Vinicius da Cruz e Mello Moraes) nasceu 19 de outubro de 1913 no Rio de Janeiro. Foi diplomata, advogado, poeta, dramaturgo, jornalista, cantor e compositor.
Apelidado de Poetinha, por Tom Jobim, foi consagrado pelos sonetos. Conhecido como boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. O Poetinha casou-se nove vezes. Suas esposas foram Beatriz Azevedo de Melo (mais conhecida como Tati de Moraes), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nelita de Abreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, Marta Rodrigues Santamaria (a Martita) e Gilda de Queirós Mattoso.
Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Ainda assim, sempre considerou que a poesia foi sua primeira e maior vocação, e que toda sua atividade artística deriva do fato de ser poeta. Teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra. Faleceu no Rio, em 9 de julho de 1980.
Vinicius nasceu na Gávea, filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário da Prefeitura, poeta e violinista amador, e Lydia Cruz de Moraes, pianista amadora. Vinícius é o segundo de quatro filhos, Lygia (1911), Laetitia (1916) e Helius (1918). Mudou-se com a família para Botafogo em 1916, onde iniciou os estudos na Escola Primária Afrânio Peixoto. Em 1922, a sua mãe adoeceu e a família de Vinicius mudou-se para a Ilha do Governador, ele e sua irmã Lygia permanecendo com o avô, em Botafogo, para terminar o curso primário.
Ingressou em 1924 no Colégio Santo Inácio, de padres jesuítas, onde passou a cantar no coral e começou a montar pequenas peças de teatro. Três anos mais tarde, tornou-se amigo dos irmãos Haroldo e Paulo Tapajós, com quem começou a fazer suas primeiras composições e a se apresentar em festas de amigos. Em 1929, concluiu o ginásio e no ano seguinte, ingressou na Faculdade de Direito do Catete, hoje Faculdade Nacional de Direito (UFRJ).Na chamada "Faculdade do Catete", conheceu e tornou-se amigo do romancista Otávio de Faria, que o incentivou na vocação literária. Vinicius de Moraes graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1933.
Através de Otávio de Faria, começou a frequentar as reuniões da Ação Integralista Brasileira, movimento brasileiro de cunho nacionalista, na Livraria do Schmidt. Participou inclusive de algumas instruções das Milícias Integralistas no Arsenal de Guerra do Caju. Em maio de 1937, publicou seu Soneto de Katherine Mansfield inédito na revista "Anauê!" nº 15. Foi assinante de vários documentários Shell sobre o Integralismo.
Em 1936, obteve o emprego de censor cinematográfico junto ao Ministério da Educação e Saúde. Dois anos mais tarde, Vinicius ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford. Em 1941, retornou ao Brasil empregando-se como crítico de cinema no jornal "A Manhã". Tornou-se também colaborador da revista "Clima" e empregou-se no Instituto dos Bancários.
No ano seguinte, foi reprovado em seu primeiro concurso para o Ministério das Relações Exteriores. Em 1943, concorreu novamente e desta vez foi aprovado. Em 1946, assumiu o primeiro posto diplomático como vice-cônsul em Los Angeles. Com a morte do pai, em 1950, Vinicius de Moraes retornou ao Brasil. Nos anos 1950, Vinicius atuou no campo diplomático em Paris e em Roma, onde costumava realizar animados encontros na casa do escritor Sérgio Buarque de Holanda.
No final de 1968 foi afastado da carreira diplomática tendo sido aposentado compulsoriamente pelo AI-5. O poeta estava em Portugal, apresentando uma série de espetáculos, alguns com Chico Buarque e Nara Leão, quando o regime militar emitiu o AI-5. O motivo apontado para o afastamento foi o seu comportamento boêmio que o impedia de cumprir as suas funções. Vinícius foi anistiado (post-mortem) pela Justiça em 1998. A Câmara dos Deputados aprovou em fevereiro de 2010 a promoção póstuma do poeta ao cargo de "ministro de primeira classe" do Ministério das Relações Exteriores - o equivalente a embaixador, que é o cargo mais alto da carreira diplomática.
Segundo entrevista publicada pela Veja em 12 de janeiro de 2000, o ex-presidente João Figueiredo explicou as reais causas da demissão do poeta do Itamaraty: "Ele até diz que muita gente do Itamaraty foi cassada ou por corrupção ou por pederastia. É verdade. Mas no caso dele foi por vagabundagem mesmo. Eu era o chefe da Agência Central do Serviço e recebíamos constantemente informes de que ele, servindo no consulado brasileiro de Montevidéu, ganhando 6 000 dólares por mês, não aparecia por lá havia três meses. Consultamos o Ministério das Relações Exteriores, que nos confirmou a acusação. Checamos e verificamos que ele não saía dos botequins do Rio de Janeiro, tocando violão, se apresentando por aí, com copo de uísque do lado. Nem pestanejamos. Mandamos brasa."
Vinicius começou a se tornar prestigiado com sua peça de teatro Orfeu da Conceição, em 25 de setembro de 1956. Além da diplomacia, do teatro e dos livros, sua carreira musical começou a deslanchar em meados da década de 1950 - época em que conheceu o maestro Tom Jobim (um de seus grandes parceiros) -, quando diversas de suas composições foram gravadas por inúmeros artistas. Na década seguinte, Vinicius de Moraes viveu um período áureo na MPB, no qual foram gravadas cerca de 60 composições de sua autoria. Foram firmadas parcerias com compositores como Baden Powell, Carlos Lyra e Francis Hime.
Vinicius registrou pela primeira vez sua voz em 1961, em um álbum contendo os sambas "Água de Beber" e "Lamento no Morro", novamente parcerias com Tom Jobim. O poeta teria também um novo parceiro naquele período, o cantor, compositor e violonista Carlos Lyra. Com ele, Vinicius iria compor clássicos como "Você e Eu", "Coisa Mais Linda", "A Primeira Namorada" e "Nada Como Te Amar". Ainda em 1961, o Teatro Santa Rosa foi inaugurado no Rio de Janeiro com "Procura-se uma Rosa", peça de autoria de Vinicius, Pedro Bloch e Gláucio Gil - filmada depois pelo cinema italiano com o nome de "Una Rosa per Tutti" (o longa-metragem foi rodado no Rio e estrelado por Claudia Cardinale).
Em 1962, a Banda do Corpo de Bombeiros fluminense gravou "Serenata do Adeus", um ano após gravarem "Rancho das Flores", marcha-rancho com versos do poeta sobre tema de Jesus, Alegria dos Homens, de Johann Sebastian Bach. Ainda naquele ano, enquanto "Canção da Eterna Despedida" (composta com Tom Jobim) "Em Noite de Luar" (composta com Ary Barroso) foram gravadas por Orlando Silva e Ângela Maria, respectivamente, Vinicius de Moraes publicou três livros: Antologia Poética, Procura-se Uma Rosa e Para Viver Um Grande Amor.
Com Pixinguinha, compôs a trilha sonora do filme Sol sobre a Lama, de Alex Vianny, escrevendo as letras para os chorinhos "Lamento" e "Mundo Melhor". Também naquele período, nasceu a parceria com o compositor e violonista Baden Powell. Desta, resultariam inúmeros sucessos, como "Apelo", "Canção de Amor", "Canto de Ossanha", "Formosa", "Mulher Carioca", "Paz", "Pra Que Chorar", "Samba da Bênção", "Samba Em Prelúdio", "Só Por Amor", "Tem Dó", "Tempo Feliz", entre outras.
Em agosto de 1962, com Tom Jobim, João Gilberto e o grupo Os Cariocas, Vinicius de Moraes participou de Encontro, um dos mais importantes concertos da bossa nova e realizado na boate "Au Bon Gourmet", no Rio de Janeiro. Neste show, foram lançadas clássicos da música popular brasileira como "Ela é Carioca", "Garota de Ipanema", "Insensatez", "Samba do Avião" e "Só Danço Samba". Naquela mesma casa noturna foi montada "Pobre Menina Rica", mais uma peça do poeta, cuja trilha sonora trazia canções como "Sabe Você", "Primavera" e "Samba do Carioca" (lançando a cantora Nara Leão),[16] ambas parcerias com Carlos Lyra. Ainda naquele ano, Vinicius comporia com Lyra "Marcha da Quarta-feira de Cinzas" e "Minha Namorada".
Várias daquelas seriam gravadas em 1963. Jorge Goulart gravou "Marcha da Quarta-feira de Cinzas", Elizeth Cardoso gravou "Mulher Carioca" e "Menino Travesso" (composta com Moacir Santos), Elza Soares gravou "Só Danço Samba", Pery Ribeiro e o Tamba Trio gravaram "Garota de Ipanema" e Jair Rodrigues gravou "O Morro Não Tem Vez" (composta com Tom Jobim).
Naquele mesmo período, Vinicius de Moraes lançou com a atriz Odete Lara seu primeiro álbum: Vinicius e Odete Lara. Com arranjos e regência do poeta Moacir Santos, o LP continha canções da parceria com Baden Powell, como "Berimbau", "Mulher Carioca", "Samba em Prelúdio" e "Só por Amor", entre outras. Ainda em 1963, o selo Copacabana lançou o álbum "Elizeth Interpreta Vinicius", contendo as parcerias do poetinha com Baden Powell, Moacir Santos (e arranjos deste), Nilo Queiroz e Vadico.
Em 1970, Vinicius se apresentou no Canecão, com o parceiro Tom Jobim, o violonista Toquinho e a cantora Miúcha. O show, que relembrou a trajetória do poeta, ficou quase um ano em cartaz devido ao grande sucesso obtido. Outra apresentação marcante de Vinícus de Moraes, ao lado de Toquinho e da cantora Maria Creuza, foi na cidade argentina de Mar del Plata, na boate La Fusa. O concerto resultaria no LP ao vivo Vinicius En La Fusa, uma das mais belas joias gravadas ao vivo da música brasileira. No repertório, interpretado de modo espetacular pela cantora baiana, estavam entre outras "A Felicidade", "Garota de Ipanema", "Irene", "Lamento no Morro", "Canto de Ossanha" (canção muito aplaudida pela plateia argentina), "Samba em Prelúdio", "Eu Sei Que Vou Te Amar" (canção que contou ainda com a declamação do poetinha de "Soneto da Fidelidade", para delírio do público argentino), "Minha Namorada" e "Se Todos Fossem Iguais A Você", que encerrou o magnífico concerto.
No ano seguinte, Vinicius voltou à Fusa para gravar um novo LP ao vivo, também com Toquinho, mas desta vez com a cantora Maria Bethânia nos vocais. Neste álbum estão presentes canções com "A Tonga da Mironga do Kabuletê", "Testamento" e "Tarde em Itapoã". Também em 1971, assinou com Chico Buarque, sobre antigo choro de Garoto, a canção "Gente Humilde", grande sucesso gravada pelo próprio Chico e, pouco depois, por Ângela Maria.
A popularidade de Vinicius e de outros brasileiros na Argentina naquela época era tamanha que alguns nacionalistas bolaram uma teoria da conspiração segundo a qual Vinicius, Maria Creuza, Roberto Carlos e Altemar Dutra lideravam um tal de "Plano Macumba", por meio do qual planejariam a conquista cultural do país vizinho.
A parceria Vinicius/Toquinho excursionou por várias cidades brasileiras e também pelo exterior. Ainda em 1971, a dupla lançou seu primeiro LP de estúdio, com destaque para "Maria Vai com as Outras", "Morena Flor", "A Rosa Desfolhada" e "Testamento". Em 1972, eles lançaram o álbum "São Demais os Perigos Dessa Vida", contendo - além da faixa-título - grandes sucessos como "Cotidiano nº 2", "Para Viver Um Grande Amor" e "Regra três". Com Toquinho, também compôs a trilha sonora da telenovela "Nossa Filha Gabriela" (da extinta TV Tupi), registrada em disco naquele mesmo ano. No ano seguinte, a dupla se apresentou no show "O Poeta, a Moça e o Violão", com a cantora Clara Nunes no Teatro Castro Alves, em Salvador.
Em 1974, Vinicius e Toquinho compuseram "As Cores de Abril" e "Como É Duro Trabalhar", ambas incluídas na trilha sonora da novela Fogo Sobre Terra, da Rede Globo. Naquele mesmo ano, a parceria lançou o álbum Toquinho, Vinicius e Amigos. O disco teve as participações de Maria Bethânia (em "Apelo" e "Viramundo"), Cyro Monteiro ("Que Martírio" e "Você Errou", últimas gravações deste cantor), Maria Creuza ("Tomara" e "Lamento no Morro"), Sergio Endrigo ("Poema Degli Occhi" e "La Casa") e Chico Buarque ("Desencontro"). Ainda naquele ano, a dupla lançou "Vinicius e Toquinho", quarto álbum de estúdio da parceria, que trazia composições de autoria deles, como "Samba do Jato", "Sem Medo" e "Tudo Na Mais Santa Paz", e ainda "Samba pra Vinicius", homenagem ao poetinha de Toquinho e Chico Buarque, que fez uma participação especial no disco.
Em 1975, Vinicius de Moraes lançou o álbum "O Poeta e o Violão". Gravado em Milão, o LP teve a participação especial dos maestros Bacalov e Bardotti. No mesmo ano, a gravadora Philips lançou o álbum "Vinicius e Toquinho". Deste LP, destaca-se "Onde Anda Você" - parceria com Hermano Silva e que alcançou grande sucesso. Ainda naquele ano, Vinicius lançou o livro de poemas infantis A Arca de Noé. Foram lançados no ano seguinte os álbuns Ornella Vanoni, Vinicius de Moraes e Toquinho - La voglia, la pazzia, l'incoscienza e l'allegria e Deus lhe Pague - este com as composições da parceria Vinicius e Edu Lobo.
Vinicius teve publicado, em 1977, o livro O Breve Momento, com 15 serigrafias de Carlos Leão. Naquele ano, o selo Philips lançou o álbum "Antologia Poética", uma seleção da obra poética do Poetinha e que teve a participação especial de Tom Jobim, Francis Hime e Toquinho. A gravadora Som Livre disponibilizou no mercado o LP Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha - Ao Vivo no Canecão. Em 1978 foi lançado o álbum Vinicius e Amália, gravado em Lisboa com a cantora portuguesa Amália Rodrigues. Naquele mesmo ano, foi editado o álbum "10 Anos de Toquinho e Vinicius" - uma coletânea de uma década de trabalhos da dupla. Em 1980 foi lançado o álbum Arca de Noé, que trouxe diversos intérpretes para as composições infantis do poeta, musicadas a partir do livro homônimo. O disco gerou um especial infantil na Rede Globo, naquele mesmo ano.
Na noite de 8 de julho de 1980, acertando detalhes com Toquinho sobre as canções do álbum Arca de Noé, Vinicius alegou cansaço e que precisava tomar um banho. Na madrugada do dia seguinte Vinicius foi acordado pela empregada, que o encontrara na banheira de casa, com dificuldades para respirar. Toquinho, que estava dormindo, acordou e tentou socorrê-lo, seguido por Gilda Mattoso (última esposa do poeta), mas não houve tempo e Vinicius de Moraes morreu pela manhã.
Sou um crente - e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer!
Com a Garota de Ipanema, Helô Pinheiro |
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Vinicius no Abertura
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Otto Lara Resende entrevista o Poeta
Quatro décadas sem Vinicius de Moraes,
o “Poetinha”
Por Maria Laura López, no Jornal da USP
“Pela maneira aberta como sempre recebeu jovens para dar conselhos ou parceiros para colocar letra e música, ele foi um poeta amplo, cuja extensa obra musical inspirou e cercou de amor, em algum momento, a mais brasileiros do que qualquer coisa”, como está escrito na contracapa do álbum Testamento Vol. 2, lançado logo após a morte de Vinicius de Moraes, em 9 de julho de 1980. O autor é o musicólogo e jornalista brasileiro Zuza Homem de Mello, que hoje, 40 anos depois, relembra o artista multifacetado que foi Vinicius de Moraes (1913-1980).
Amplamente reconhecido pelo trabalho realizado na música popular brasileira, Vinicius foi antes de tudo um exímio poeta. “No poema você tem uma liberdade de rimas e de métrica que não tem na letra de música, porque ela está submissa a uma melodia”, afirma Zuza. Segundo ele, fazer poesia e fazer música são coisas muito diferentes, especialmente na visão dos poetas que até menosprezaram Vinicius por escolher esse caminho, julgando a composição musical como inferior à poesia. “Ele já é um poeta consagrado quando começa a fazer letras de música nos anos 1950, e na época isso foi considerado um retrocesso.”
Na opinião do musicólogo, letras de música são até mais trabalhosas de serem feitas, pela necessidade de acompanhar uma melodia preestabelecida. “Mas a adaptação de Vinicius, do poema para a música, foi extremamente rápida. Ele já começa fazendo letras sensacionais”, conta Zuza, lembrando o ano de 1956. Nessa época, Vinicius escreve a peça Orfeu da Conceição, na qual também é responsável pelas letras da trilha sonora, enquanto Antônio Carlos Jobim se encarrega das melodias. “Essa foi a primeira experiência daquilo que seria, em algum tempo, a chamada obra da dupla Tom e Vinicius.”
A importância da parceria na canção brasileira se deu em grande parte pela experiência de Vinicius como poeta. A sofisticação de suas letras o colocava em uma posição de destaque na época, segundo Zuza. “Isso se deu instantaneamente. Na primeira parceria dos dois, eles já se colocam em um patamar de reconhecimento que a maioria dos compositores leva anos para atingir”, afirma o musicólogo. Daí nasce Se Todos Fossem Iguais a Você, a música mais famosa da peça que inaugura o trabalho conjunto de Tom e Vinicius.
“Depois os dois fizeram a segunda fornada, que resultou nas canções que compõem um LP fundamental da história da canção brasileira, chamado Canção do Amor Demais”, diz Zuza. O disco, interpretado por Elizeth Cardoso, é composto de músicas como Chega de Saudade e Eu Não Existo Sem Você. “Aí também foi a primeira vez que apareceu o violão de João Gilberto, o que deu um peso importantíssimo para o LP”, acrescenta o musicólogo. Ainda nesse disco, é possível ver canções feitas apenas por Vinicius, que também era instrumentista, e outras apenas por Tom, que também era letrista. Segundo Zuza, isso mostra como a dinâmica deles funcionava, já que ambos entendiam um pouco do ramo um do outro.
Dentre as várias características que se notam nesse disco, lançado em 1958, uma é a magnitude da obra da dupla, que chega aí já mais amadurecida. “Algumas pessoas qualificam esse disco como sendo o primeiro da bossa nova, mas eu discordo. Ele tem duas faixas com o violão de João Gilberto, que depois caracterizaria o estilo musical, mas ainda não é”, afirma o musicólogo. A parceria Tom e Vinicius dura mais quatro anos, e apresenta outras canções de grande relevância, incluindo Garota de Ipanema, apresentada em 1962 na boate Au Bon Gourmet. “Quem estava nesse espetáculo era aquilo que havia de melhor na bossa nova. Uma apresentação em que Vinicius, além de tudo, também cantou.”
A parceria acaba quando Tom vai para os Estados Unidos se apresentar no Carnegie Hall e por lá resolve ficar. Vinicius, no Brasil, começa a fazer parcerias com outros músicos, como Carlos Lyra e Baden Powell. “A dupla com Lyra gera um outro espetáculo chamado Pobre Menina Rica, em 1963”, conta Zuza. Na trilha sonora estão músicas como Cartão de Visita, A Primavera e A Minha Desventura. No trabalho com Baden ele vai fazer os afro-sambas, como Canto de Ossanha, Lamento de Exu e Bocoché. “É um novo Vinicius que se apresenta aqui.”
De acordo com Zuza, esse momento mostra uma característica importante do artista, que é a de se combinar perfeitamente com pessoas de uma geração que não é a dele. “É uma espécie de juventude que está inserida nas letras que ele faz”, conta o musicólogo. Depois disso, as parcerias de Vinicius começam a ser mais amplas e esporádicas, saindo do modelo que ele seguiu com Jobim, Lyra e Baden. Até que ele se junta a Toquinho e, além de compor, se mostra mais presente também no palco, cantando. “E essa é uma fase que perdura até praticamente o final de sua vida.”
De poeta erudito a músico popular
Para o professor Ivan Vilela, que leciona Música Popular Brasileira na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a grande marca de Vinicius de Moraes foi sua transformação de uma arte mais clássica para uma mais popular. “Ele fazia parte do corpo diplomático, então teve muito contato com pessoas desse mundo erudito. Quando ele vai para a música, é através da parceria dele com Jobim que encontra um tom mais coloquial”, diz Ivan. Segundo o professor, de certa forma, a música popular e a forma em que ela é narrada acabaram modificando a forma literária de Vinicius.
Ainda de acordo com Ivan, a carreira extremamente multifacetada — diplomata, poeta, cantor, compositor, roteirista — fez com que Vinicius deixasse também um extenso legado em todas essas áreas. “Mas acho que o maior deles é essa humildade de alguém que carrega uma bagagem de saber erudito se encantar e mergulhar nesse mundo do saber popular, conseguindo criar algo a partir desse encontro.”
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A imprensa que criticou tanto as pessoas que entravam em hospitais para filmar as condições de funcionamento agora faz a mesma coisa. (não estou falando no caso Moinhos).
ResponderExcluirMuita hipocrisia
Previdi,
ResponderExcluirEnquanto na maior emissora de TV do continente Brazileiro é falado de peito aberto #fiqueemcasa, e festejado quando estabelecimentos "não essenciais" são fechados, agora o seu maior âncora tem o prazer de anunciar que "acaba de retomar a produção de novelas nos seus estúdios, apresentando a partir de hoje capítulos inéditos".
Porém, faltou explicar porque considera que a produção de novelas é “serviço essencial”.
Forte abraço,
Pedro Leon
Prévidi,
ResponderExcluirComo não amar um Vinícius,
Como não amar um Chico Buarque,
um Caetano, um Gil, como?
Ah, João, mas são todos comunistas, pândegos, amorais, irresponsáveis,arre ..., TODOS!
Artístas, poetas, cantadores não são seres como eu, tu, meu amigo; são, sim, uma espécie de anjos decaidos do céu que vêm à terra para aplacar nosso sofrimento!
Peça a um Caetano para ele somar dois mais dois, certamene ele rirá da tua ingenuidade, pouco saber, pois, quem não sabe que é qualquer coisa, exceto quatro!
Descartes, o René, jamais esteve numa classe com eles, ora direi, ver estrelas? Estrelas? Que vos disse essa rematada bobagem que aquelas purpurinas no céu, tão belas, brilhantes, que o enfeita à noite, são estrelas? Ora vejam!
Fernando Pessoa definiu-os, e a si próprio, magistralmente:'o poeta é um sofredor, sofre tão intensamente, que até mesmo pensa que é dor a dor que deveras sente'. Ergo, tudo está dito!
Que os deuses velem pelos nossos anjos decaídos!