Sexta, 9 de agosto de 2024

 


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por um princípio moral; era, antes de mais nada,
expressão do ressentimento de
a censura ter sido feita por outros.


Agosto de 1914 -
 110 anos da
1ª Grande Guerra Mundial



TEXTO DE
JOÃO PAULO DA FONTOURA*





Em 28 de junho findo, faz exatos 110 anos do incidente que disparou o gatilho da 1ª Grande Guerra Mundial: o assassinato do Arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, e da sua esposa, a Duquesa Sofia de Hohenberg, em Sarajevo, capital da Bósnia.

Ninguém, nem os mais conceituados analistas de política europeia dos grandes jornais da época, poderia prever que tal incidente pudesse, como pode, provocar tamanha repercussão e consequências tão funestas para o continente europeu, e, lato sensu, para o mundo todo.

(Eu, historiador, afirmo - sem ser leviano - que na realidade a titulação deveria ser 2ª Guerra Mundial, pois, a mim, é claro que a ‘Guerra dos 7 Anos’  havida entre Inglaterra e França, envolvendo Prússia, Áustria, Portugal e Espanha, e mais seus aliados, entre 1756/63, envolveu o mundo da época, Europa, América e Ásia. Ergo, tem primariedade.)

Por aqui, repercussão pouca.

Os jornais do centro do país e o róseo Correio do Povo da Capital deram, em páginas intestinas, nota de pouco destaque. A bem da verdade, não havia razões para preocupações; era apenas mais um atentado num mundo cheio de atentados.

Apesar das constantes intrigas e ameaças por parte das grandes potências europeias, o mundo vivia uma paz relativa, havia mais de 45 anos. O último grande embate tinha sido a guerra-relâmpago entre a Prússia e a França (19 de julho de 1870 - 10 de maio 1871), onde os franceses foram humilhantemente derrotados pelos soldados do Rei Guilherme I, sob a competente liderança do grande chanceler Otto Von Bismarck, o, minha opinião, disparado maior político/estrategista do século XIX. 

Aqui, na bucólica Taquari de então, na Taquari do Intendente Municipal Franklin dos Santos Praia Filho, probo homem público indicado pelo poderoso chefe republicano e presidente da Província, doutor A. A. Borges de Medeiros (que iria se eternizar no poder, somente retirando-se, em 1928, em consequência dos acordos derivados da necessária revolução de 1923), ao invés dos tiros da longínqua Europa, ouvíamos, sim, o longo e pungido silvo do apito do vapor da navegação Arnt, que iniciava viagem diária à capital da Província. Três dias após, bem ao lado de um reclame anunciando a exibição, no cine São João, do drama cinematográfico – A Alma Feroz, uma pequena nota na página dois do nosso O Taquariense informava: “Declaração de Guerra, foi declarada oficialmente a guerra entre a Sérvia e a Áustria.” Só, mais nada.

Voltemos ao atentado e às dissidências europeias de então.

Do grande Império Austro-Húngaro de outrora, restavam somente sua enorme arrogância e o morbo desejo de provocar confusões numa tentativa de resgatar parte da glória de um passado distante.  Quase atingiu seu intento guerreiro na crise da Bósnia-Herzegovina de 1908/1909. Esta crise, que envolveu praticamente todas as potências da Europa da época – a Áustria, a Alemanha, a Inglaterra, a França, a Rússia, a Itália – num complexo e arriscado jogo diplomático, ocorreu pelo fato da Áustria exigir das potências a anexação da Bósnia-Herzegovina, coisa que a Sérvia, que também tinha interesse semelhante na ex-província do destroçado Império Otomano, não aceitava em hipótese alguma. A Rússia, uma espécie de líder natural das nações eslavas, apoiou de pronto a Sérvia e ameaçou guerra aos austríacos. A Alemanha, disparada a maior potência militar da época, aliou-se à Áustria; as demais potências dividiram-se. A Sérvia, humilhada, e a Rússia, resignada, cedem às pretensões dos Austro-húngaros, pois nenhuma das duas nações estava preparada para uma guerra com a Alemanha. Não houve guerra, por pouco, mas a crise danificou permanentemente as relações entres estas nações (Áustria-Hungria, Alemanha, Sérvia e Rússia) e certamente foi a sementeira-mor da grande primeira guerra mundial.

A humilhação imposta aos sérvios não ficaria impune. Cinco anos após, num ato que hoje podemos afirmar no mínimo provocativo, o Arquiduque e sua esposa vão visitar a conturbada província anexada (por que afirmo provocativo? Além da imprópria visita, os soldados do velho Imperador Francisco José iriam fazer manobras militares na Bósnia, e a data, da visita, coincidia com a comemoração da batalha de Kosovo, 28 de julho de 1389, símbolo tão sagrado aos sérvios, quanto Termópilas aos gregos).


 Havia na Sérvia um movimento nacionalista/terrorista chamado de Mão-Negra, cujos membros eram tão fanáticos, ou mais ainda, quanto os atuais terroristas muçulmanos do grupo Hezbollah. Tinham como objetivo o rompimento das nações eslavas do Sul do domínio austríaco. Pelo que se soube após, o atentado foi planejado aos detalhes. A visita do futuro imperador era tão temerária que os próprios terroristas duvidavam que ocorresse. A distribuição étnica dos moradores da província comportava quase 50% de sérvios; o resto era de muçulmanos e croatas. Três terroristas vindos da Sérvia foram destacados para a missão regicida. Os dois tiros fatais, em 28 de junho de 1914, que provocam o absurdo ultimato à Servia por parte dos enfurecidos austríacos, e a consequente – 3 dias após – deflagração de guerra entre as duas nações europeias, foram dados pelo jovem fanático estudante, 20 anos, autodenominado anarquista radical, Gavrilo Princip. Os governantes sérvios juraram nada saber; os austríacos tinham convicção que o atentado tinha matriz nos palácios do governo sérvio. A verdade, quem a saberá?


a guerra

O interessante foi que o grande político alemão, o hábil chanceler (primeiro-ministro) do reino da Prússia, o arquiteto da construção do II Reich (Império Alemão, 1871-1918), quando se afastou da vida pública em 1890, previu: se houver uma guerra na Europa, ela certamente iniciará nos Bálcãs


A despeito das desinteligências e provocações das potências europeias entre si, até agosto de 1914, o velho continente era certamente o lugar mais invejado no mundo inteiro. Dali saíram as maiores invenções e descobertas feitas até hoje, da genial teoria da relatividade do alemão Einstein aos magníficos avanços na produção de aços que produziram as pontes e os prédios do mundo todo. As artes, como a pintura, a música, o teatro, produzidas por mentes quase mágicas, provavam a excelência civilizatória que o continente havia atingido. Só havia uma única exceção ao imperial domínio europeu sobre o mundo, os Estados Unidos da América. De resto, todas as pontes, as estações de trens, as estradas de ferro, enfim, quase tudo no mundo era feito com capital, matéria-prima e tecnologia europeia.

Que belo mundo era a Europa! E, repentinamente, uma crise menor nos Bálcãs, algo que tantas e tantas vezes ocorria e encontrava pronta solução entre as partes, joga toda a Europa nos braços da morte. Algo que fez, pela vez primeira, que milhões e milhões de jovens, qual bois na estreita fila do abate a golpes de marreta de um imundo matadouro, morressem nas insalubres e desumanas trincheiras pelas balas e gases tóxicos do “inimigo”. 

A respeito da absurda lógica da guerra, da loucura da raça humana, li, recentemente, um curto e pungente texto do escritor europeu George Steiner: Será razoável supormos que toda a civilização elevada desenvolve tensões implosivas e movimentos de autodestruição? Será a fenomenologia do tédio e do anseio pela dissolução violenta uma constante na história das formas sociais e intelectuais a partir do momento em que ultrapassam certo limiar de complexidade? Será?


aS RAZÕES DA guerra

Os historiadores costumam sempre listar as razões, os motivos que impuseram à humanidade tamanha aberração; vou listá-las apenas por uma questão didática: a política imperialista das potências (colônias); a inconformidade da França com a humilhante derrota na guerra de 1870 e consequente perda da região da Alsácia-Lorena; o destroçamento do império otomano; idem do império Austro-Húngaro; a avidez do novo e poderoso império alemão por novas conquistas; a permanente crise nos Bálcãs (pan-eslavismos); uma coleção de líderes, por exemplo, o Czar Nicolau II da Rússia, completamente incapazes de administrar crises; etc. Essas crises geraram um perigoso produto, a política de alianças entre as potências. De um lado alinharam-se, na tríplice-aliança,  Alemanha,  Itália e Áustria-Hungria; do outro, na tríplice-entente,  Rússia,  França e  Inglaterra.

O caso da avidez da Alemanha era o mais grave. Com o exército mais poderoso do mundo, estava determinada a fazer uma guerra com seu maior inimigo, a França, que era a segunda potência da Europa. Os militaristas de Berlim – assim como Adolf Hitler anos depois – reiteravam o antigo e marcial brado teutônico: a guerra e a conquista são necessidades biológicas. A cada pequena oportunidade que pintasse, o belicoso Kaiser Guilherme II e seu chanceler, o Príncipe Von Büllow, não se furtavam de provocar os franceses que, sabedores inferiores, cediam mais e mais. Os franceses cediam às constantes provocações dos alemães, por temer não ter a menor condição de enfrentá-los no momento. Muito menos seus parceiros na tríplice-entente: a Rússia ainda se recuperava do desastre militar na guerra contra o Japão de 1905; do outro lado do canal, a Inglaterra nem um exército de conscritos possuía.


o mundo havia mudado.  e como!!

No início do século XIX, a França possuía uma população de 30 milhões, contra, apenas, 11 dos prussianos; já em 1870 a Prússia, agora transformada na Alemanha do Chanceler Bismarck, já tinha 41 milhões, contra 30 dos franceses. Em 1914, às vésperas da guerra, a disparidade era ainda maior: Alemanha, 65 milhões, França, 40. Em relação aos soldados, a Alemanha possuía um exército de quase 8 milhões de jovens entre 20 e 24 anos, prontos para guerrear; a França, somente 4,5. Além disso, havia a questão do temperamento do povo e dos políticos: enquanto a França, dos incapazes políticos da III república, não conseguia organizar minimamente sua economia, a tecnocrática e militarista Alemanha inundava o mundo com seus aços e canhões das fábricas Krupp. Era um jogo sem “fairplay”. A França, a Inglaterra e a Rússia só guerreariam se não houvesse qualquer outra opção.  E veio a crise dos Bálcãs.

E tudo ocorreu relativamente rápido.

Em 28 de junho de 1914, os dois tiros mortais em Sarajevo.

Em 3 de julho de 1914, a Áustria declara guerra à Sérvia.

(Os jogadores tomam seus lugares: a Rússia socorre a Sérvia; a França e a Inglaterra aliam-se à Rússia. A Alemanha, faceira como pinto no lixo, pois teria a sua tão almejada guerra, e a Itália unem-se aos austríacos.)

Em 28 de julho de 1914 (exatos trinta dias depois dos tiros de Sarajevo) inicia-se a invasão austro-húngara à Sérvia, seguida pela invasão alemã da Bélgica, Luxemburgo e França, e de um ataque russo contra a Alemanha.

A guerra, que durou de agosto de 1914 a novembro de 1918, teve seu epicentro na Europa, mas acabou envolvendo quase todo o globo (envolveu a Índia, a Nova Zelândia, Austrália, Canadá, América do Norte, países africanos, etc..). O nosso Brasil, de início neutro, acabou se envolvendo, pouco, a partir de 1917, mais em nível de apoio, e sendo o único país sul-americano a fazê-lo.

A data que a história registra como início da guerra é agosto de 1914. Ela mais simboliza a entrada da França no conflito que outro fato qualquer. Na realidade, em 31 de julho, os alemães dirigiram aos franceses um ultimato dando 18 horas para que respondessem se ficariam, ou não, neutros. Os franceses, altivos e orgulhosos, em 1º de agosto, responderam aos alemães que “agiriam de acordo com seus interesses” e, no mesmo dia, mobilizaram suas tropas.

Jamais, em hipótese alguma, os alemães imaginavam que o conflito durasse o tempo que durou. O que os militares previam era uma blitzkrieg de máximas seis semanas (parecida com a guerra de 1870). Os planos do Estado-Maior Geral alemão para uma rápida vitória sobre a França, depois os russos seriam os seguintes a serem liquidados, vieram dos ensinamentos do conde Alfred Von Schieffen, chefe deste Estado-Maior de 1891 até 1906. Era o famoso “Plano Schieffen”. Enquanto a Rússia, lerda, incapaz de se mobilizar rápido, seria contida com apenas nove divisões, o grosso do Exército alemão, sete oitavo dele, seria arremessado contra a França.

 Lamentavelmente, para a Alemanha, deu tudo errado. Na França, diferente de 1870, desta vez o povo e a Terceira República, liderados por um Comandante Supremo, o bravo general Joffre, decididos, enfrentaram a crise e, ultrapassado o breve e previsível pânico do início do confronto, reagiram, lutaram e acabaram vencedores.

Essa foi a guerra onde a estupidez humana não encontrou limites: foi a guerra das trincheiras insalubres; dos arames farpados; do aparecimento da exuberância em termos de máquinas de moer seres humanos que foi a  metralhadora automática; dos novos e cruéis tanques de guerra; do uso indiscriminado de gases tóxicos que asfixiavam os pobres soldados nos fundos de suas trincheiras; do início da guerra aérea; do aparecimentos dos primeiros submarinos a afundar navios prenhes de infelizes marinheiros no gelado Mar do Norte; do uso dos gigantescos canhões que dilaceravam tudo, prédios, corpos, máquinas; do jamais esquecido genocídio dos armênios perpetrado pelos turcos aliados aos alemães; dos abusos contra as desprotegidas populações civis. Enfim, foi a guerra que matou mais de dez milhões de seres humanos e que deixou outro tanto de pessoas aleijadas, intoxicadas, com almas pra sempre dilaceradas; guerra que deixou famílias sem pais, pais sem seus jovens filhos homens, uma geração toda sem futuro ou perspectiva.

O fim do conflito (que deixara a Alemanha prostrada, seus aliados esmagados, a Rússia debatendo-se com uma revolução bolchevista e guerra civil) foi consagrado com o Tratado de Versalhes, em 28 de junho de 1919.

Este acordo de paz, assinado pelas nações envolvidas no conflito, se teve um vitorioso, este foi a França. E ela, vingança ou direito de vencedor, exigiu da derrotada Alemanha pesadas reparações: devolução da Alsácia-Lorena; perda de todas as colônias; pagamento de pesada indenização; restrições ao tamanho de exército.

Muitos historiadores afirmam que as penas impostas à derrotada Alemanha, por muito pesadas, foi o que gerou Hitler e o Terceiro Reich. Não creio, mesmo porque muito pouco da indenização foi realmente pago. O que gerou a Alemanha Nazista, mais que os ressentimentos em relação ao injusto tratado, foi a brutal crise financeira de 1929, gerada na América do Norte e espraiada pelo mundo todo, e a dificuldade do povo alemão, um povo que sempre cultuou lideres fortes, de ser mandado, em conviver com regimes democráticos como era a incômoda República de Weimar.


Fechando, para quem quer ler algo que mostre esta guerra não no seu viés político, mas sim no humano, que trata da visão do simples soldado das trincheiras, nada melhor, nada mais pungente, mais seminal que Nada De Novo No Front, um belo romance do alemão Erich Maria Remarck, aquele que participou, pelo lado alemão, e sofreu na carne e alma as agruras de uma dura guerra de trincheiras.


*joão paulo da fontoura é escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.


7 comentários:

  1. Texto primoroso do JP. É para ler e guardar.

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  2. Oi, Prévidi, gratidão pela postagem do texto sobre os 110 anos do start da 1ª Guerra Mundial, e parabéns por tua magnífica diagramação feita, Minha Nossa Senhora, que beleza!

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  3. Outro texto excelente do dileto amigo, virtual, João Paulo da Fontoura.
    Iniciada a leitura, impossível parar antes de chegar ao final.
    Parabéns, de novo!

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  4. Prezado João Paulo, parabéns pelo excelente texto. Muitas vezes aqui neste espaço, divergimos de opinião, mas sempre com respeito. Eu acho muito importante essa possibilidade de poder concordar e discordar, sem precisar ofender ou criar inimizades. Grande abraço.

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  5. Parabéns! Um país sem memória é um país sem história. Relembrar e refletir o passado para termos uma melhor perspectiva para o futuro. Parabéns. Sugestão: um livro com esse tema e outras abordagens . Além de escritor , tiras um tempo pra se dedicar à matemática.

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  6. Parabéns sua publicação me basta para conhecer um pouco desta parte da história.

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