Fim de semana, 8 e 9 de agosto de 2020




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA





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especial DIA DOS PAIS - 2



Nada como deitar no divã
do psicanalista e soltar o verbo









EU, PAI

Por José Luiz Prévidi

MEUS FILHOS VIAM TV E A PLAYBOY,
BRINCAVAM DE POLÍCIA E LADRÃO E,
ACREDITEM, SÃO NORMAIS!




Na criação dos dois filhos, não lembro de ter consultado livros ou psicólogos para definir o que era mais adequado ou que garantiria a eles um futuro legal. Os dois foram muito esperados, mas não teve planejamento.
Para terem uma ideia, quando o mais velho nasceu, o Guilherme, fui na Mesbla comprar o berço e toda aquela parafernália necessária para um bebê. Era junho, um frio de rachar – ao menos já tínhamos muita roupinha para ele. Com o nervosismo do pré-parto uma glândula ou sei lá o quê inchou e eu fiquei com o rosto tipo sapo.
Para o segundo, Gustavo, já estávamos melhor estruturados e foi mais tranquilo. Mas, nem tanto… Na noite que começaram as dores, fomos para o Hospital Mãe de Deus. Fui dar a entrada e na recepção me disseram que não havia quarto para o convênio. “Só particular”. Não tive dúvida: Vamos de particular! Eu dou um jeito de pagar!
 Quando o Gui nasceu tínhamos chegado do Rio há três meses e estávamos há pouco em um espaçoso apartamento na rua Riachuelo, no Centro de Porto Alegre. Tudo ainda se arrumando, nos adaptando. E ainda tínhamos na memória o que uma médica idiota no Rio nos disse, que seria muito difícil a sobrevivência do bebê e/ou da mãe no parto – mas isso é outra história.
No Gu foi diferente. Morávamos numa casa na Branquinha, em Viamão, área rural na Grande Porto Alegre. Há pouco tempo tínhamos passado por um momento horrível, que foi a morte da minha mãe. Aí o guri nasceu para preencher esta lacuna. Foi muito bom.
Quando os dois filhos nasceram eu estava muito envolvido com o meu trabalho. Por incrível que possa parecer, eu trabalhava na Assembleia e, acreditem, eu realmente trabalhava! Sim, trabalhava muito, todos os dias, inclusive final de semana. Para terem uma ideia, no primeiro, estava na campanha do Alceu Collares para prefeito de Porto Alegre; no outro estava no atendimento dos deputados e, logo depois, uma nova campanha – do Collares ao Governo.
...
No início da vida dos dois, eu tentava me dividir entre o trabalho e a casa. Mas era uma tarefa quase impossível. Fui um pai presente na medida do possível. Acompanhei tudo, inclusive a ida aos pediatras e em momentos de “crise”. Era uma loucura, que não tinha como administrar. Quando viajava, em 1990, uma ligação do interior para Porto Alegre era uma tarefa de gincana – geralmente de orelhão. E eu passava as vezes uma semana inteira no interior do Estado.
Compensava esta ausência fazendo as vontades deles. Não tinha outro jeito.
Na real, a Rute foi quem criou os dois nesta fase inicial. Sem nenhum “amparo psicológico” de quem quer que seja. Ela foi a responsável pelo “alicerce moral” dos dois – se assim posso dizer. Contribuí dentro do possível.
Pelo menos, nos aniversários e datas especiais, como o Natal, eu tentava me superar. Era presente que não acabava mais. Sempre dei tudo o que eles queriam até quando consegui. Convivi muito com eles quando fizemos a casa na praia, em Oeisis, e era sagrada a ida todo final de semana.
Aí já estava fora da Assembleia e a minha vida era muito mais tranquila, em todos os sentidos. Consegui acompanhar mais as aulas, as festinhas, o judô deles e o futebol, tudo. As vezes, em uma gincana no colégio, eu era o único pai na arquibancada.
Mas legal mesmo eram os finais de semana na praia.
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Por que o título?
Os dois foram criados sem frescuras ou teorias definitivas.
Eu comprava muitas revistas e jornais, entre elas a Playboy. E eles sempre folhearam e viam as mulheres peladas. Não chamava atenção, sabe por quê? Ora, eles nos viam pelados e era mais do que normal! TV? Eram seletivos – assistiam apenas o que gostavam, como Chaves, Bozo, Castelo Rá-tim-bum, e aqueles heróis japoneses, como Jaspion.
Muito videogame e também carrinho de lomba, skate e “polícia e ladrão”. Não lembro como chamavam, mas teve uma fase que brincavam com um revólver, imitação perfeita de um verdadeiro, que tinha até umas balas de plástico.

Num determinado momento, a grana ficou curta. E os dois tiveram que ir para escolas públicas. Foi uma mudança pra lá de radical, mas obrigatória. Entenderam, mas no momento que era mais importante voltaram para colégios particulares. Foi um sufoco danado ter que bancar, mas já é passado.
Dentro do possível sempre tiveram o necessário para a vida. E se viravam. Os dois estudaram inglês e se prepararam para o vestibular em casa.Graças a um Compaq.
Por mérito deles, passaram em universidades públicas e foram aprovados em vários concursos públicos.
...
Voltando ao título: os dois comeram tudo que é bobagem existente, assistiram tudo na TV, jogaram muito videogame, fizeram tudo que hoje as crianças não podem fazer. E, por incrível que pareça, são normais!
Hoje levam vidas de acordo com o século 21. Parece lógico, mas é muito legal poder dizer isso.
E, o mais legal, são muito bem sucedidos. O Gui tem dois filhos e o Gu não pretende ser pai, pelo menos por enquanto. Viajam bastante pelo mundo e fazem o que dá na telha.
Quando vejo amigos reclamando que estão sustentando ou ajudando os filhos, eu fico quieto, porque os dois jamais me pediram um real emprestado, a não ser, claro, até a adolescência. Ah, esqueci de contar, bem antes dos 15 anos os dois trabalhavam…

Fui um pai ausente ou presente?
Estava hoje pensando nisso e não cheguei a uma conclusão.
Não me interessa.
Reconheço que a mãe foi fundamental na criação dos dois. E os dois são homens íntegros porque tiveram uma boa formação. Isso é inegável.
Na infância dos dois recebia críticas porque sempre dei tudo o que pediam. Chegava ao ponto de oferecer algo e um deles não se entusiasmar.
Não me arrependo.
Talvez tivesse participado mais – se pudesse.
Mas no balanço final acredito que o resultado foi acima da minha participação.


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MEU PAI

Por Julio Ribeiro


Eu cresci com uma certa distância do meu pai. Ele saia de casa às 4h da manhã pra trabalhar. Carregava malas na Rodoviária de Pelotas até às 7 da noite. Chegava em casa extenuado, depois de 15 horas de trabalho, trazendo os mantimentos que faltavam pra semana. Uma das minhas irmãs lembra até hoje, com os olhos marejados, do barulho que ele fazia ao sacudir cada lata de mantimento, pra saber a quantidade das provisões. Era a música que sabia tocar em todas as madrugadas.
Ele era o pai provedor. Não tinha muito mais pra dar, porque também não recebera do pai austero, que o iniciara, aos 8 anos, no duro ofício de lenhador.
Eu nunca o abracei, beijei, nunca trocamos qualquer expressão de carinho. E como eu queria. Passei minha infância com vontade de dizer que o amava. Mas, não havia essa intimidade. Eu pensava: ele não vai gostar.
Eu tinha 15 anos quando ele teve uma trombose cerebral que o mudou pra sempre, pelos seus sete restantes anos de vida. Recolhido num mundo à parte, foi definhando, morrendo aos poucos.
Aos meus 18, eu e o carregava no colo para ir ao médico. O colo que eu nunca me atrevera a pedir, agora era eu quem lhe dava.
Numa noite de inverno de 1986, às 20h15, eu fiz uma oração regada a lágrimas e pedi a Deus que o libertasse. Eu mesmo estava liberando o meu pai para que a vida cumprisse seu destino. Instantes depois, recebi um telefonema do hospital pedindo nossa presença urgente. Chegando lá, nos informaram que ele havia partido. Perguntei: que horas? 20h15, respondeu a enfermeira.
Nos anos em que ele passou na cama, eu disse repetidas vezes que o amava. E o beijei incontáveis vezes.
Quando amadureci, quando me tornei pai, fui me dando conta, que meu pai dizia a mim e a meus irmãos que nos amava. Todas as madrugadas em que balançava as latas de mantimentos, ele dizia, do seu jeito, que nos amava. Ainda que a maioria de nós ainda dormisse.
Ao aproximar-se mais um Dia dos Pais, mais um ano que o meu pai se foi, gostaria de dizer: continuo te amando, seu Alcebíades!



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EU, FILHO

Por José Luiz Prévidi

Este é um texto que gosto muito. De 2013.

JAMAIS VI MEU PAI PELADO!!

É sério.
No máximo de cueca samba canção. Branca.
Mas sempre o entendi, mesmo tendo convivido apenas 12 anos com ele.
Imagina.
O Waldemar passou a infância toda sem calçar um sapato. Na sua casa só falavam italiano - aquele dialeto de Caxias do Sul. Moravam num sítio longe da cidade - hoje, a região tornou-se um bairro classe média alta.
Até hoje não sei se é verdade, porque ele contava dando risada. Consta que foi atropelado pelo primeiro carro que circulou por Caxias.
Aprendeu a falar português e foi estudar. Com a Maestra Viero, uma das primeiras professoras de Caxias. Dava aulas embaixo das árvores.
Seu primeiro emprego foi dado pelo tio, Abramo Eberle, irmão da sua mãe. No almoxarifado da Metalúrgica Abramo Eberle.
Com menos de 20 anos foi mandado para o Rio de Janeiro.
Trabalhar na filial da Metalúrgica. E terminou o científico - segundo grau.
Um gringão no Rio de Janeiro!!
Alguns anos depois tornou-se sub-gerente da filial.
Na foto aí abaixo, olha o estilo galã. Acreditem, com 24 anos.


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O tempo foi passando e alguns anos depois da foto acima ele conheceu uma uruguaia, que havia chegado de Jaguarão. Viagem de navio, com a mãe e o irmão. Como foram parar no Rio? A Adylles, a mãe, sonhava em morar no Rio. Só isso. E adorava viajar.
Etna era o nome da mocinha.


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Casaram logo depois que a Segunda Guerra terminou.
Todo tipo de dificuldades. Até alugar uma casa era difícil.
Conseguiram alugar uma em Santa Tereza.
Pouco tempo depois nasceu o Paulo César.
Mudaram-se para a Urca. Lembro do apartamento da rua Otávio Correia, mas antes teve uma passagem por outro, também na Urca.
Já era gerente da filial do Rio da Metalúrgica. E o dinheiro que sobrava no final do mês comprava ações da Metalúrgica.
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Vivíamos bem na Urca. Praia perto e ele tinha um Austin, que nos levava para todo lado. Gostávamos  mesmo da Praia Vermelha. Íamos muito também nos parques da cidade. Aí, abaixo, acredito que seja na Gávea: Paulo César, Waldemar e eu.


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Uma família muito legal.


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Comecei a aprender alguma coisa com ele quando fomos morar na rua das Laranjeiras, num edifício que acabara de ser construído. Um belíssimo apartamento, todo com móveis sob-medida e dois flamantes ar-condicionados.
Nessa época o Gringão já estava de bola cheíssima no Eberle. Tanto que o número de ações que detinha já era considerável. E tinha um Olsmobile 1952. Carrão. Hidramático, como lembra o meu primo Volmir Previdi. E mais: sem maçaneta para subir os vidros. Os quatro eram elétricos!
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Foi curto o tempo de aprendizado. Mais ou menos de 1960 a 1966, quando morreu.
As poucas coisas que tenho de bom, acrfeditem, aprendi com ele. Ou herdei, sei lá. Coisa de sangue.
A partir daí, minha mãe o substituiu e pude aprender também um bocado.
Impressões do meu pai: calmo, muito calmo. Não discutia, nem brincando. Quando o chamavam de tubarão (porque era bem de vida, mesmo) dava risada. Lotou a casa de livros e enciclopédias. Qualquer dúvida que surgia, lá ia ele para a Barsa. E meu irmão e eu tínhamos que ler. Ler e ler. Trabalhava pra burro. mesmo nos finais de semana. Dormíamos com o barulho do teclado da máquina de escrever - por sinal, tenho ainda a velha Remington.
Era Fluminense e eu Botafogo. Ia com ele ao campo do Flu, onde éramos sócios. Mas me levava ao Maracanã para assistir Garrincha e companhia.
Sempre se vestiu discretamente. Raramente usava bermuda. Quando colocava uma blusa de ban-lon sabia que íamos passear.
Apenas uma vez levei umas chineladas dele. Elstava furioso comigo: minha mãe tinha se operado e num sábado não fui no hospital com ele. Com um amigo, fomos andar de bicicleta nas ruas. Bah, o porteiro do edifício contou pra ele e, acredito, nervoso com toda a situação, me deu umas chineladas na bunda. Sem muita força.
Seus funcionários gostavam muito dele. Me contaram que era um cara justo.
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Conhecia muito o espírito dos militares, porque atendia os Ministérios da área. A Eberle era a maior fornecedora dos milicos, tudo de metal.
Logo depois da chamada revolução de 64 estávamos nas cadeiras do campo do Fluminense. E veio sentar-se conosco um amigo dele. Eu ali, escutando o papo.
O cara estava faceiro com os milicos no poder.
Lá pelas tantas, disse mais ou menos isso:
- Daqui a pouco eles convocam eleições e tudo volta ao normal.
Meu pai olhou pra ele e respondeu:
- Conheço os militares. Não saem tão cedo do poder.
Dito e feito.
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Tentei, não sei o motivo, vê-lo pelado várias vezes. Até fingia que estava dormindo na cama de casal para ver se conseguia ver o tico do cara. Mas jamais consegui. O Waldemar era muito discreto.
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Curiosidade: seu nome era Waldemar Luiz Eberle Previdi.
Não sei quando, mas mudou para Waldemar Previdi.
Quem sabe para não associá-lo a empresa que trabalhava.
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Essa é a última foto que tenho dele.
De 21 de dezembro de 1965.
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Morreu em 16 de julho de 1966.
Lembra que lá em cima falei que gostávamos muito da Praia Vermelha?
Pois é, foi lá que ele nos deixou.
Aos 47 anos.
Faz tanto tempo, né?
E eu tenho uma saudade imensa do cara!



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GOSTO MUITO DESSA MÚSICA





2 comentários:

  1. Muito legal ler teus relatos, bonitas histórias, tanto como pai ou como filho. Parabéns pelo dia!

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  2. Valeu ler cada linha... Excelente!

    Roberto.

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