Por quê? Eu não tenho lado.
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA
especial
Nesta sexta, uma cesta
de Fernando Sabino!
do Santo Graal da Literatura"
O meu ritmo é esse.
O diabo é que acabo deixando também a mente solta, a vagar pelo espaço. E minha imaginação rola com as ondas na areia de Ipanema, e se perde na distância azul do mar.
Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino.
No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.
A verdadeira inspiração é aquela que nos impele a escrever sobre o que não sabemos, justamente para ficar sabendo.
Fernando Sabino (Fernando Tavares Sabino) nasceu em Belo Horizonte, em 12 de outubro de 1923. Jornalista, escritor e editor, faleceu no Rio de Janeiro em 11 de outubro de 2004.
Iniciou seus estudos no Grupo Escolar Afonso Pena, onde conheceu o amigo Hélio Pellegrino. Aos 12 anos, começou a escrever contos. Sua primeira publicação, uma história policial, aconteceu na revista Argus, editado pela polícia de MG. Durante a adolescência, enviava com regularidade crônicas para a revista, que promovia um concurso permanente, o qual Sabino vencia com frequência, tanto que chegava a receber o dinheiro adiantado.
Nadador do Minas Tênis Clube, bateu diversos recordes de nado de costas, sua especialidade, tornando-se campeão sul-americano dessa modalidade em 1939. No mesmo ano, ganhou o segundo lugar na Maratona Nacional de Português e Gramática Histórica, empatado com Hélio Pellegrino.
No início da década de 1940 começou a cursar a Faculdade de Direito em Minas Gerais e ingressou no jornalismo como redator da Folha de Minas, por intermédio do escritor Murilo Rubião. O primeiro livro de contos, Os Grilos Não Cantam Mais, foi publicado em 1941, no Rio de Janeiro, quando o autor tinha 18 anos, sendo que alguns contos do livro foram escritos quando Sabino tinha apenas 14 anos.
Rubem Braga, José Carlos Oliveira, Vinícius de Moraes e Fernando Sabino - em pé Paulo Mendes Campos e Sérgio Porto. |
Nesse período, conheceu e passou a conviver com Marques Rebêlo, Guilhermino César e João Etienne Filho. Formava, com Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, um grupo literário, apelidado por Etienne, de Grupo dos Vintanistas, devido ao fato de todos estarem na casa dos 20 anos. Esse grupo discutia literatura e fazia passeios boêmios pelas noites de Belo Horizonte. Suas histórias serviram de inspiração para a premiada obra O Encontro Marcado. Nesse período, Sabino publica contos e artigos pelas revistas Mensagem, Alterosa e Belo Horizonte.
Por ocasião da publicação do primeiro livro, Sabino inicia, em 1942, correspondência com o escritor paulista Mário de Andrade. A troca de cartas dura até 1945, ano da morte de Mário, e pode ser lida no livro Cartas a um Jovem Escritor e Suas Respostas.
Com alguns filhos |
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1944. Tornou-se colaborador regular do Correio da Manhã, onde conheceu Vinicius de Moraes, de quem se tornou amigo. No mesmo ano, publicou sua segunda obra, a novela A Marca. Em 1945, conheceu a escritora Clarice Lispector, de quem tornou-se amigo e mais tarde, correspondente. Depois de se formar em Direito na Faculdade Nacional de Direito, em 1946, viajou com Vinicius de Moraes aos Estados Unidos.
Em Nova York |
O escritor morou por dois anos em Nova York, onde exercia função burocrática no consulado brasileiro, com sua primeira esposa Helena Valladares Sabino e a primogênita Eliana Sabino. Nesse período, conheceu o compositor Jayme Ovalle. Colaborou com crônicas para o Diário Carioca e O Jornal. As crônicas reunidas do período foram publicadas na obra A Cidade Vazia (1950). No mesmo período, Sabino escreve Os Movimentos Simulados e esboços das obras O Encontro Marcado (1956) e O Grande Mentecapto (1979).
Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos |
Deixa a editora em 1966 e funda a Editora Sabiá. Em 1973 funda a Bem-te-vi Filmes, com David Neves, por meio da qual produz uma série de curtas-metragens com escritores brasileiros. Realiza, na década de 1970, uma série de viagens ao exterior documentando eventos.
Com Clarice Lispector |
Obras
Cartas na mesa - correspondência com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino (2002. Record)
Os caçadores de mentira (2003, Rocco)
Cartas a um jovem escritor e suas respostas (2003, Record)
Os movimentos simulados (2004, Record)
Bolofofos e finifinos (2004, Ediouro)
Clarice Lispector entrevista o Fernando
Esta entrevista foi feita antes de Fernando Sabino declarar que a literatura morreu.
Clarice Lispector – Fernando, por que é que você escreve? Eu não sei por que eu escrevo, de modo que o que você disser talvez sirva para mim.
Fernando Sabino – Há muito tempo que não escrevo. A última vez foi ali por volta de 1956, 1957. Escrevia por necessidade de me exprimir. Desde então tenho me utilizado da palavra escrita como atividade profissional, por necessidade de ganhar a vida. Mas não chamo a isso de escrever, como ato de criação artística.
Clarice Lispector – Como é que começa em você a criação, por uma palavra, uma ideia? É sempre deliberado o seu ato criador? Ou você de repente se vê escrevendo? Comigo é uma mistura. É claro que tenho o ato deliberador, mas precedido por uma coisa qualquer que não é de modo algum deliberada.
Fernando Sabino – A criação nunca começava por uma palavra ou por uma ideia. Era uma espécie de sentimento em mim que partia em busca dessa palavra ou dessa ideia. Qualquer palavra, qualquer ideia. Hoje o sentimento ainda existe, mas tem-se dispensado de se exprimir através de palavras ou ideias – de certa maneira me contento com o próprio sentimento, que procura fora de mim alguma forma de expressão já existente com que se identificar. A música, por exemplo – especialmente a de Thelonious Monk.
Clarice Lispector – Há quanto tempo você escreve crônicas? Falta-lhe assunto às vezes? A mim, no Jornal do Brasil, por enquanto ainda não.
Fernando Sabino – Escrevo crônica desde 1947. Sempre falta assunto – é penoso ter de inventar. Procuro suprir o jornal ou a revista que me pagaria com a matéria escrita que corresponda ao que esperam de mim, ou seja, agradar o leitor. Aceito alegremente a tarefa, como um móvel.
Clarice Lispector – Que é que você acha do protesto dos jovens no mundo inteiro? Que estão eles querendo, na sua opinião?
Fernando Sabino – Na minha opinião estão querendo o mesmo que eu queria quando era jovem – e continuo querendo: repudiar um mundo errado que os mais velhos lhes querem deixar como herança. Estão querendo acertá-lo e não sabem como – mas nós muito menos.
Clarice Lispector – Que é que você acha de Marcuse?
Fernando Sabino – Só li de Marcuse algumas páginas da tradução de um livro seu, o suficiente para ver que ele parece ignorar, na proposição de suas ideias com relação ao mundo de hoje, um dado elementar: o de que o mundo de hoje tem muito mais gente que o mundo do princípio do século. E quanto a isso, ele não apresenta nenhuma outra solução. Nem mesmo a pílula.
Clarice Lispector – Por que você, Fernando, com o grande talento que tem, só escreveu um romance? Teve tanto sucesso que isso deveria incentivar você a produzir mais. Ou o sucesso atrapalhou você? A mim quase que faz mal: encarei o sucesso como uma invasão.
Fernando Sabino – O sucesso sempre atrapalha: neutraliza a nossa necessidade de se afirmar. No meu caso, entretanto, não foi o sucesso do meu romance que me atrapalhou, mas a necessidade, a que não soube resistir, de fazer da palavra escrita um ofício do qual tiro o meu sustento. Deixando de escrever, e indo buscar de dentro do mais obscuro anonimato um meio de expressão, é possível até que eu começasse realmente a escrever. Não desisti: lhe asseguro que ainda pretendo começar.
Clarice Lispector – Fernando, qual o seu processo de trabalho, você se inspira como? Ou se trata de uma disciplina?
Fernando Sabino – Há muito tempo que não me dou a esse luxo: o de inspirar-me. Contar com algum tema, alguma solicitação, algum estímulo que signifique uma verdadeira inspiração. E a verdadeira inspiração é aquela que nos impele a escrever sobre o que não sabemos, justamente para ficar sabendo.
Clarice Lispector – Conte-me um pouco sobre a Editora Sabiá.
Fernando Sabino – A Editora Sabiá tem grandes planos para este ano. Vamos prosseguir na nossa série de antologias poéticas bilíngues, iniciada com Pablo Neruda, publicando uma de Garcia Lorca. E entre as nacionais, será lançada em breve a de Jorge de Lima. Vamos iniciar também uma série de traduções de grandes romances modernos, o primeiro dos quais será Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez – um verdadeiro monumento da literatura moderna, best-seller internacional, considerado o livro mais importante da língua espanhola desde Don Quixote. Além disso, Rubem Braga e eu não perderemos de vista o objetivo pessoal que nos levou a fundar a Editora Sabiá: o de publicar nossos próprios livros em melhores condições e, por extensão, os dos nossos amigos.
Clarice Lispector – Em que jovem de hoje você tem esperança como futuro grande escritor?
Fernando Sabino – Não tenho acompanhado como devia a atividade de nossos jovens escritores – passei algum tempo fora do Brasil e ainda não retomei o contato como gostaria. Mas sei que há diversos jovens escrevendo o que há de melhor por esse Brasil. Os de Minas, por exemplo, ocasionalmente me têm dado prova disso, através do excelente suplemento literário do Minas Gerais, dirigido por Murilo Rubião. Já realizados como escritores da nova geração, eu poderia citar, entre outros, Oswaldo França Júnior e José J. Veiga, que me parecem admiráveis. Mas no Brasil, mal um escritor entrou na casa dos trinta, já é considerado velho...
Clarice Lispector – Qual foi, Fernando, a sua maior decepção na vida?
Fernando Sabino – Eu poderia responder repetindo Léon Bloy: a de não ter sido um santo. Mas modestamente, entretanto, prefiro dizer que foi a de não me ter ainda realizado como romancista.
Clarice Lispector – Quando é que você se alegra?
Fernando Sabino – Sou sempre alegre – daquela alegria interior dos fronteiriços da debilidade mental e que, portanto, têm ainda uma oportunidade de salvação.
Clarice Lispector – O que é que você desejaria para o Brasil?
Fernando Sabino – Desejaria que o Brasil conseguisse realizar nada menos que o grande sonho da humanidade: o de atender à necessidade de justiça social para todos sem prejuízo dos direitos fundamentais de cada um. Uma utopia, que no entanto deve ser o mínimo de ideal a ser sustentado por um homem digno desse nome.
Clarice Lispector – Como é que você resumiria o conteúdo da palavra amor?
Fernando Sabino – Amor é dádiva, renúncia de si mesmo na aceitação do outro. Amar o próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.
Clarice Lispector – Quais são os seus projetos como romancista?
Fernando Sabino – Não sei. Só vou ficar sabendo depois que escrever um novo romance. É preciso que eu me convença de que um romance não é mais do que um romance. Tenho de esquecer o pouco que aprendi e sair tateando às cegas até encontrar o botão de luz.
Clarice Lispector – Você acha que a nossa geração falhou? Eu acho que sim. Acho que nos faltou dar o corajoso passo no escuro. Nós não tínhamos desculpa, porque tínhamos talento e vocação.
Fernando Sabino – Não sei se nossa geração falhou. Nunca me senti, como escritor, como parte de uma geração. (Nem eu, pensei.) Sempre me senti sozinho e este talvez tenha sido o meu erro. Quis aprender sozinho e perdi a inocência. O artista é um inocente. Era preciso reaprender a olhar tudo como se fosse pela primeira vez. Eu olhei como se fosse a última. Em tempo: o romance que não consegui escrever se chamaria O salto no escuro. Estou dispensado até deste título, pois já saiu outro com o mesmo nome.
Clarice Lispector – Fernando, você tem medo antes e durante o ato criador? Eu tenho: acho-o grande demais para mim. E cada novo livro meu é tão hesitante e assustado como um primeiro livro. Talvez isso aconteça com você, e seja o que está atrapalhando a formação de seu novo romance. Estou ficando impaciente à espera de um romance seu.
Fernando Sabino – O que atrapalha a criação de um novo romance é a presunção de que somos capazes de criar. Diante da grandiosidade da tarefa, descubro que não sou coisa nenhuma. Era preciso partir da consciência de minha própria insignificância, e reconhecer com humildade que a tarefa nem grandiosa é, mas apenas um ato de louvor a Deus na medida das minhas forças.
Clarice Lispector – Você é profundamente católico ou apenas superficialmente?
Fernando Sabino – O catolicismo é uma herança de minha formação familiar que, graças a Deus, não abandonei. Deus não abandona aos que não o abandonam. Mas isso é assunto para conversa só entre nós dois.
Clarice Lispector – Qual o seu santo preferido?
Fernando Sabino – Não tenho preferência. Acho os santos uns chatos, pela inveja que me despertam, me fazendo ainda mais pecador.
Clarice Lispector – Você, que morou na Inglaterra como adido cultural nosso, notou lá algum movimento novo na literatura? Eu acho a literatura do mundo muito parada. Não há quem me satisfaça numa leitura. E você?
Fernando Sabino – Atualmente eu me interesso mais pelo depoimento pessoal, pelo documentário jornalístico – que talvez sejam novas formas de literatura.
Clarice Lispector – Como é que você encara o problema da morte?
Fernando Sabino – Deixar este mundo não me faz mais alegre, porque a vida é boa. Mas a morte é o eterno repouso. E eu tenho muita vontade de repousar eternamente. E muita curiosidade. Espero que não doa muito. Gostaria de morrer em nome de alguma coisa. Morrer deliberadamente, e não como alguém que depois do jantar espera que o garçom lhe traga a conta e fica pensando na gorjeta. Fazer da minha morte a justificação da minha vida. Mas não creio que mereça tanto.
A última crônica
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns pra você…”. Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
Dez minutos de idade
A enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e mandou-me entrar. Estava nascendo! Era um menino.
Nem bonito nem feio; tem boca, orelhas, sexo e nariz no seu devido lugar, cinco dedos em cada mão e em cada pé. Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida. Ainda traz consigo, nos olhinhos esgazeados, um resto de eternidade.
Portanto, alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para o nariz, mãos que se apertam, dedos que acariciam, múltiplos caminhos para os pés. É verdade que algumas palavras, melhor fora nunca dizê-las, outras nunca escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes se metem onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se fecham. Pés que se atropelam. Mas o simples ato de nascer já pressupõe tudo isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro vagido é um desafio. A vida aceitou um novo corpo e o batismo vai traçar-lhe um destino. A luta se inicia: mais um que será salvo. Portanto, alegremo-nos.
Menino sem nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedos, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho, porão de fantasmas, formigas em fila, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé machucado. O mundo de hoje, tal como o estou vendo da janela do meu apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar. Ou apenas uma eterna garrafa de Coca-Cola e um delicioso Chicabon.
Aceita, menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a sério, com toda aquela seriedade grave da infância, chupa o Chicabon, bebe a Coca-Cola, desmonta e torna a montar a miraculosa máquina de brincar de nosso século que a imaginação de teu pai jamais poderia sequer conceber. Impõe a essas coisas e a essa vida que te oferecerão como infância a sofreguidão da tua boca, a ousadia de teus olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me deste por nasceres. Qualquer que seja a tua infância, conquista-a, que te abençoo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também ? e vá viver, em meu nome. Nada te posso dar senão um nome.
Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida minha estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um nome e esta estrela. Se acreditares em estrela, vai buscá-la.
Caro Prévidi. Justíssima homenagem ao grande escritor que descobri ainda na adolescência. Aliás, sempre tens nos brindado com excelentes autores às sextas-feiras. Parabenizo-te pela tua coluna, que torna esses nossos dias sombrios em mais leves.
ResponderExcluirAssino embaixo.
ExcluirO "Sextou" do Previdi é um alento para todos. Cultura na veia.
Roberto Ortiz.
muito bom!
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