JAMAIS VI MEU PAI PELADO!!
É sério.
No máximo de cueca samba canção. Branca.
Mas sempre o entendi, mesmo tendo convivido apenas 12 anos com ele.
Imagina.
O Waldemar passou a infância toda sem calçar um sapato. Na sua casa só falavam italiano - aquele dialeto de Caxias do Sul. Moravam num sítio longe da cidade - hoje, a região tornou-se um bairro classe média alta.
Até hoje não sei se é verdade, porque ele contava dando risada. Consta que foi atropelado pelo primeiro carro que circulou por Caxias.
Aprendeu a falar português e foi estudar. Com a Maestra Viero, uma das primeiras professoras de Caxias. Dava aulas embaixo das árvores.
Seu primeiro emprego foi dado pelo tio, Abramo Eberle, irmão da sua mãe. No almoxarifado da Metalúrgica Abramo Eberle.
Com menos de 20 anos foi mandado para o Rio de Janeiro.
Trabalhar na filial da Metalúrgica. E terminou o científico - segundo grau.
Um gringão no Rio de Janeiro!!
Alguns anos depois tornou-se sub-gerente da filial.
Na foto aí abaixo, olha o estilo galã. Acreditem, com 24 anos.
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O tempo foi passando e alguns anos depois da foto acima ele conheceu uma uruguaia, que havia chegado de Jaguarão. Viagem de navio, com a mãe e o irmão. Como foram parar no Rio? A Adylles, a mãe, sonhava em morar no Rio. Só isso. E adorava viajar.
Etna era o nome da mocinha.
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Casaram logo depois que a Segunda Guerra terminou.
Todo tipo de dificuldades. Até alugar uma casa era difícil.
Conseguiram alugar uma em Santa Tereza.
Pouco tempo depois nasceu o Paulo César.
Mudaram-se para a Urca. Lembro do apartamento da rua Otávio Correia, mas antes teve uma passagem por outro, também na Urca.
Já era gerente da filial do Rio da Metalúrgica. E o dinheiro que sobrava no final do mês comprava ações da Metalúrgica.
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Vivíamos bem na Urca. Praia perto e ele tinha um Austin, que nos levava para todo lado. Gostávamos mesmo da Praia Vermelha. Íamos muito também nos parques da cidade. Aí, abaixo, acredito que seja na Gávea: Paulo César, Waldemar e eu.
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Uma família muito legal.
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Comecei a aprender alguma coisa com ele quando fomos morar na rua das Laranjeiras, num edifício que acabara de ser construído. Um belíssimo apartamento, todo com móveis sob-medida e dois flamantes ar-condicionados.
Nessa época o Gringão já estava de bola cheíssima no Eberle. Tanto que o número de ações que detinha já era considerável. E tinha um Olsmobile 1952. Carrão. Hidramático, como lembra o meu primo Volmir Previdi. E mais: sem maçaneta para subir os vidros. Os quatro eram elétricos!
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Foi curto o tempo de aprendizado. Mais ou menos de 1960 a 1966, quando morreu.
As poucas coisas que tenho de bom, acrfeditem, aprendi com ele. Ou herdei, sei lá. Coisa de sangue.
A partir daí, minha mãe o substituiu e pude aprender também um bocado.
Impressões do meu pai: calmo, muito calmo. Não discutia, nem brincando. Quando o chamavam de tubarão (porque era bem de vida, mesmo) dava risada. Lotou a casa de livros e enciclopédias. Qualquer dúvida que surgia, lá ia ele para a Barsa. E meu irmão e eu tínhamos que ler. Ler e ler. Trabalhava pra burro. mesmo nos finais de semana. Dormíamos com o barulho do teclado da máquina de escrever - por sinal, tenho ainda a velha Remington.
Era Fluminense e eu Botafogo. Ia com ele ao campo do Flu, onde éramos sócios. Mas me levava ao Maracanã para assistir Garrincha e companhia.
Sempre se vestiu discretamente. Raramente usava bermuda. Quando colocava uma blusa de ban-lon sabia que íamos passear.
Apenas uma vez levei umas chineladas dele. Elstava furioso comigo: minha mãe tinha se operado e num sábado não fui no hospital com ele. Com um amigo, fomos andar de bicicleta nas ruas. Bah, o porteiro do edifício contou pra ele e, acredito, nervoso com toda a situação, me deu umas chineladas na bunda. Sem muita força.
Seus funcionários gostavam muito dele. Me contaram que era um cara justo.
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Conhecia muito o espírito dos militares, porque atendia os Ministérios da área. A Eberle era a maior fornecedora dos milicos, tudo de metal.
Logo depois da chamada revolução de 64 estávamos nas cadeiras do campo do Fluminense. E veio sentar-se conosco um amigo dele. Eu ali, escutando o papo.
O cara estava faceiro com os milicos no poder.
Lá pelas tantas, disse mais ou menos isso:
- Daqui a pouco eles convocam eleições e tudo volta ao normal.
Meu pai olhou pra ele e respondeu:
- Conheço os militares. Não saem tão cedo do poder.
Dito e feito.
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Tentei, não sei o motivo, vê-lo pelado várias vezes. Até fingia que estava dormindo na cama de casal para ver se conseguia ver o tico do cara. Mas jamais consegui. O Waldemar era muito discreto.
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Curiosidade: seu nome era Waldemar Luiz Eberle Previdi.
Não sei quando, mas mudou para Waldemar Previdi.
Quem sabe para não associá-lo a empresa que trabalhava.
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Essa é a última foto que tenho dele.
De 21 de dezembro de 1965.
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Morreu em 16 de julho de 1966.
Lembra que lá em cima falei que gostávamos muito da Praia Vermelha?
Pois é, foi lá que ele nos deixou.
Aos 47 anos.
Faz tanto tempo, né?
E eu tenho uma saudade imensa do cara!
Prévidi, grande e emocionante relato. És um cara que podes pegar a grana da psicanálise e investir em Oeisis. Feliz dia dos pais para nós.
ResponderExcluirA propósito, uma das crianças da foto me pareceu com a cabeça um tanto "majorada". Não te pareceu? Abraço e felicidades.
Beleza Prévidi!
ResponderExcluirmarcelo martins, sao paulo
Lindo.
ResponderExcluirLaís
Que beleza de relato ! Quem não degenera é por que puxa aos seus! abçs
ResponderExcluir++ Grande Prévidi; que bela homenagem ao teu pai! Cara, como há histórias de vidas bonitas para serem contadas; a tua dá um belo livro, certamente. Que tal tentares?
ResponderExcluirAbraços
João Paulo / Taquari
Mesmo com três, quatro anos, tenho lembrança da figura dele, o tio Waldemar. E exatamente pela característica da calma, da tranquilidade, da serenidade. Um homem educado, de fino trato. Minha mãe falava muito na pessoa dele.
ResponderExcluirUma grande figura!!!!