Sexta, 24 de abril de 2020 - parte 1




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA





Escreva apenas para






especial

Nesta sexta, uma cesta
de Jefferson Barros (final)!


Jefferson escrevendo e o Elmar Bones. A foto, de Cleber
Dioni Tentardini. é na redação do Jornal Já, em 1998 





Esta é a parte final do texto sobre o jornalista, que faleceu em 10 de junho de 2.000. Foi um dos principais críticos de cinema do Brasil.
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A primeira parte está em aqui.
A segunda parte está aqui.
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Acompanhe a terceira e última parte:


Quando já estava instalado em casa e parcialmente adaptado, recebo uma ligação do Jefferson. Queria saber quando poderíamos tocar a revista de cinema. Marquei para o sábado seguinte. Avisei ao Denison, que faria o planejamento gráfico, e o Crusius, que entraria como co-editor.

Jefferson chegou em casa pouco antes do almoço. O Denison já estava lá. Almoçamos e começamos a trabalhar… ou melhor, tivemos contato com os textos e tudo estava datilografado. E nós faríamos a revista no meu flamante Compaq. Nos reversamos para passar tudo pra máquina. Os textos que faltaram eu bati durante a semana. No sábado seguinte, iríamos editar, de fato.

O que chamava a atenção na revista era a qualidade dos colaboradores. Todos os que citei antes iriam participar. TODOS. E mais críticos de cinema do Rio e São Paulo. Iria ser uma revista maravilhosa. Já estava pensando em como iria comercializar. Ele já tinha me falado sobre o nome da revista, mas pensei que era brincadeira.

O Jefferson dava as coordenadas pro Denison:
- Ô Denison, você coloca neste texto corpo 8.
E sempre cofiando o bigode. Um cacoete constante.

O Crusius passou a tarde sentado numa poltrona sem dar palpite. Lá pelas tantas, indaga:
- Jefferson, qual é a tua ideia para título da revista?
Ele parou o que estava fazendo, cofiou o bigode e lascou:
- Cahiers du Cinéma!
Nos olhamos.
O Crusius saltou:
- Tu não achas que vai ficar mal usar o nome de uma tradicional revista francesa?
Para quem não sabe, a Cahiers foi criada em 1951 por três cinéfilos: Jacques Doniol-Valcroze, André Bazin e Lo Duca, É a mais importante revista de cinema do mundo. Hoje, também é editada na Espanha.
O Jefferrson aumentou o tom:
- Não acho não!! Este é o nome!!
Tive que meter a minha colher:
- Cara, vai ficar chato usarmos o nome de uma revista respeitada em todo o mundo!
Ele, definitivo:
- Ou lançamos o Cahiers ou não sai a revista!!
O nosso silêncio foi significativo.
Já tinha uma pré-prova da revista. Ele pegou o que estava impresso e saiu rápido. E não ligou mais. E comigo ficaram os originais, que nem sei onde foram parar.
Bateu a porta, dramático.
E nós ficamos com cara de pamonhas.

Não me lembro bem, mas acredito que tenha sido no final de 1999 ou início de 2.000. Fui com o Julio Ribeiro na Casa de Cultura Mario Quintana. Aguardávamos para falar com alguém e entra na sala o Jefferson. Ele me viu e deu meia volta, batendo com a porta. Cabeça baixa.

Soube que ele andou assessorando a bancada do PCdoB na Assembleia. Ou foi na Câmara de Vereadores? Não lembro. Em1999 lançou o livro "Golpe Mata Jornal".

Aliás, ele lançou os seguintes livros:

1977: Função dos Intelectuais numa Sociedade de Classes (teoria, ed. Movimento) 
1979: Oficial da Noite (novela, ed. Civilização Brasileira) 
1989: O Caleidoscópio Eletrônico, Visões Críticas da Televisão Brasileira (ed. Taurus)
1992: No Tempo das Diligências (sonetos, ed. Unijuí) 
1999: Golpe Mata Jornal (coleção Memória da Imprensa Gaúcha, Já Editores) 

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Quando eu editava a revista Press soube da morte do Jefferson.
Publiquei uma singela homenagem, na edição 2, de julho de 2.000.
Reproduzo alguns trechos:

Muita gente esperava que os jornais – principalmente os chamados cadernos de cultura – dedicassem um espaço mais digno para a vida do Jefferson Barros, que morreu em 10 de junho. Talvez a gurizada, que predomina nas redações, não conhecesse ele. Mas, aí sempre cabe aquele raciocínio brilhante, que, vez por outra, aparece: não convivi com Josué Guimarães, Justino Martins, Erico Verissimo, Marcos Faerman e, por isso, não tenho obrigação de saber de quem se trata.
O Jefferson, além de um intelectual talentoso, foi um dos maiores críticos de cinema do país. Escrevia o que lhe pedissem sobre qualquer produção cinematográfica. E adorava um dos ícones dos cinéfilos – o Cahiers du Cinéma.
(…)
Jefferson, transtornado, saiuporta afdora, com as provas do seu Cahiers embaixo do braço e desapareceu. Poucos sabiam como encontrá-lo.
Tempos depois, encontrei-o na Casa de Cultura Mario Quintana, onde trabalhava. Estava meio constrangido e nem me olhava direito.
Mas, passado todo esse tempo, mão consigo me esquecer dele.
Nem os meus filhos, que pouco conviveram com ele, a não ser em alguns almoços lá em casa,onde ele ia nos finais de semana. Quando disse para eles que o Jefferson tinha morrido, a primeira coisa que fizeram, juntos, foi cofiar um hipotético bigode e dizer, com uma voz anasalada: “Ô Denison, você coloca um corpo cinco nesta legenda e seis no corpo do texto!”.

...

Em função dos textos publicados no Parêntese, o jornalista Márcio Pinheiro publicou um post no Facebook:




Última Hora/Zero Hora

Há 50 anos, em 21 de abril de 1970, o empresário Maurício Sirotsky virava acionista majoritário da Zero Hora. A história, lembrada com riqueza de detalhes, faz parte do livro "Golpe Mata Jornal".
Escrito por Jefferson Barros - um dos grandes jornalistas com quem convivi e tão bem homenageado na última edição de Parêntese - o livro recupera a trajetória da Última Hora gaúcha até seu final, no melancólico 2 de abril de 1964, "assassinada pela violência da ditadura", escreve Jefferson.
No livro, Jefferson entrevista Ary de Carvalho, ex-diretor da UH e que 33 dias depois do empastelamento reabriria a empresa com três sócios, os empresários Ricardo Eichler, Otto Hoffmester e Dante de Laytano. "Comprei as máquinas e equipamentos e criei a ZH", lembrou Ary.
O logotipo, inclusive, foi feito por Anibal Bendatti, até então chefe de diagramação da UH. "O jornal cresceu. Comprei aquele terreno na Avenida Ipiranga, estava construindo o prédio e me endividei junto ao BRDE". Ary segue. "Eu saia muito com Maurício. Numa madrugada, eu perguntei a ele: 'Por que vocês não entra de sócio na ZH?'. Ele  respondeu: 'Pô, a essa hora da manhã?'. Passaram se uns dias, eu disse: 'Entra aí com 50%". Esse talvez tenha sido meu erro..." Ary, então, finaliza: "Aguentei seis meses. Até que chegou um dia que eu atrasei pagamento de um título na Crefisul. Quando fiz o empréstimo, o Aron Birmann (presidente da Crefisul) sugeriu que como garantia eu desse as ações da empresa. Aceitei, caucionei minhas ações. Quando houve o atraso da prestação fui intimado a pagar em 72h. Era uma composição do Birmann com o Maurício, que era o avalista. (...) as ações foram parar nas mãos do Maurício".
Na conversa com Jefferson em 1999, já então dono do jornal O Dia, Ary de Carvalho respondeu porque não procurou outra solução. "Tentei. Tentei vender a ZH para Caldas Jr. (...) O doutor Breno não pensou 24 horas e recusou a oferta".
Todos os personagens dessa história já morreram: Maurício em 1986, Breno em 1989. Jefferson em 2000 e Ary em 2003.

O Márcio escreveu:

Jefferson Barros foi uma amizade herdada.

Amigo do meu pai e da minha mãe, ele almoçou algumas vezes lá em casa. Conversava com o pai sobre os tempos de Partidão e da Folha da Manhã dos primeiros tempos, que reunia vários comunistas. Com a minha mãe, falava sobre cinema e algumas fofocas da Folha da Tarde. Reencontrei ele em 1992, no curto período dele na ZH, levado pelo José Onofre, seu velho amigo de cineclubes. Foi demitido logo depois (curiosidade: os dois melhores trazidos no reinado Augusto, ele e o JO, foram os que menos duraram).

Convivi mais ainda com ele a partir de 1997, na Gazeta Mercantil, onde ele foi levado pelo Helio Gama, velho amigo de Veja. Lá escreveu vários textos, uns encomendados por mim, outros que ele se pautava. Dizia estar sem beber, parecia mesmo, e que ia a um templo perto do Olímpico.

Na redação, caminhava bastante, bebia muito café, parecia às vezes falar sozinho (será que estava rezando?) e fumava muito (me lembro dos dedos amarelos).

Conversávamos bastante, até sobre futebol, e certa vez ele me definiu da seguinte maneira: "Eu sei que tu é filho do Ibsen mas espiritualmente tu é filho do José Onofre. O Ibsen é um proletário esclarecido e culto. Tu e o Zé Onofre são dois aristocratas".

Pelas constantes ausências e pela crise da Gazeta, ele também não durou muito por lá. Mesmo assim, continuamos nos encontrando algumas vezes para cafés e conversas. Guardo ainda quase todos os livros dele, dezenas de matérias na Veja e um projeto de revista de cinema que ele desenvolveu naqueles anos 90.

Pelo Divino Fonseca, soube que ele havia sido internado. Fomos visitá-lo mas já era uma pálida ideia do que havia sido. Fraco e sem conseguir falar direito. Uma pena. Jefferson faz muita falta.



O jornalista e escritor Nei Duclós não conheceu pessoalmente o Jefferson. 
Mas no outubro.blogspot.com, Nei escreveu o texto "A História no Acostamento", em 14 de março de 2006:

O ônibus parou e todos desceram. Fiquei lá dentro, me perguntando o que tinha acontecido com a viagem. Ao meu redor só havia árvores. Estávamos num acostamento e até mesmo o motorista sumira. Eu vinha de Porto Alegre, convocado para participar do lançamento do Jornal de Santa Catarina. Resolvi descer e perguntar. É o fim da linha, me disseram. Isto é Blumenau? perguntei. Era. Foi quando conheci Nestor Fedrizzi, que fora chefe da redação da Ultima Hora gaúcha por quatro anos, e estava catando jornalista no grito, já que ninguém queria ir para o interior de Santa Catarina. No telefone, dissera para ele: quero ir, mas estou duro. Pago tua viagem, foi a pronta resposta.

Sem saber, eu estava trafegando no acostamento da História. Naquela redação do Vale do Itajaí, o braço direito de Fedrizzi era José Antonio Ribeiro, o Gaguinho, ex-repórter da mesma Última Hora. Ambos personagens de Jefferson Barros no seu obrigatório Golpe Mata Jornal, da Já Editores, sobre a UH gaúcha, que comprei na Feira do Livro de Uruguaiana no ano passado, quando fui patrono a convite da Prefeitura. O livro, que resgata a história do jornal assassinado pelo golpe de 64, é de 1999. Alguns anos depois, o próprio Jefferson encontrou o mesmo destino: morreu na miséria, sozinho, esquecido, num hospital público de Porto Alegre. O ex-editor do Jornal Nacional, um dos maiores e melhores textos das redações por onde passou (Jornal do Brasil, Estadão, Correio do Povo etc.), erudito e autodidata, crítico de cinema de primeiro time, cometera um crime: entre seus seis livros (romance, poesia, ensaios), escrevera a mais importante análise sobre o assassinato da imprensa brasileira.

Vou dizer porquê. Primeiro, porque Jefferson Barros trabalha as contradições, os conflitos que regeram o nascimento e o crescimento da cadeia UH, criada por Samuel Wainer. Segundo, porque mergulha fundo nas origens da imprensa gaúcha e a situação em que se encontrava quando a UH do Rio Grande do Sul veio à luz. Terceiro, porque o espírito livre do autor não abre mão do rigor metodológico. Esse aparente paradoxo - a liberdade da abordagem vestindo a luva do racionalismo dialético - faz do texto de Jefferson uma aula de História. Pior para todos nós: é um roteiro de como a História foi jogada no acostamento.

O que se destaca não é apenas a denúncia do assassinato, mas como as contradições influíram para que o jornal perdesse o rumo para depois recuperá-lo; como seus jornalistas, divididos em correntes diversas, atingiram a unidade quando a onça bebeu água (a campanha da legalidade de 1961); e como o golpe de 1964 se prefigurou nos desdobramentos das edições, reflexo das poderosas forças sociais e políticas que engendraram primeiro a vitória democrática da posse de Jango, depois o limbo perigoso do parlamentarismo e finalmente o pesadelo do putsch reacionário, que vitimou a nação.

A coragem de Jefferson Barros ao colocar todas as cartas na mesa, sem fazer concessão para absolutamente ninguém, é fruto da sua ética e de sua lucidez. Seu talento e preparo promovem milagres. Ele não abre mão da alegria, pois seu resgate profundo nos leva de roldão pelo jornalismo acima, como se, ao ler, fôssemos também protagonistas. Ao mesmo tempo assume ser o narrador de um choque de trevas, ao abrir o ventre do golpe que abortou o país e ao soprar o pó acumulado nas hostes progressistas, nacionalistas, esquerdistas e populares. Mas toma posição firme a favor do projeto que morreu nos braços do povo: sua obra, especialmente o último capítulo, " Silêncio suspeito sobre ícones jacobinos",em que faz um paralelo entre o governo de Robespierre e a experiência da Última Hora gaúcha, é uma peça da cultura política do país que não deveria faltar na biblioteca de ninguém.

Jefferson Barros não é bem-vindo em nenhum reduto, a não ser nos que contam com a verdade. Por isso merece estar junto conosco, ele que se foi precocemente, reconhecido por seus pares, mas desconhecido das novas gerações. Nesta época em que impera o deserto, o melhor de nós está enterrado em algum baú, em algum canto, em algum ermo nos rincões desconhecidos da imensa pátria. Precisamos dessa voz silenciada, desse texto liberto, dessa guinada que um escritor dá, à custa da própria vida, para tirar a História do desvio e jogá-la de novo na rota segura do entendimento.


Um comentário:

  1. Que excelente resgate. Fiquei com muita vontade de saber mais sobre tal figura. Parabéns pelo excelente trabalho! Abraços, Marshal

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