Sexta, 3 de abril de 2020




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA





Escreva apenas para






especial

Nesta sexta, uma cesta
de Caio Fernando Abreu!







Que as mentiras alheias, não confundam as nossas verdades.


Repito sempre: sossega, sossega - o amor não é para o teu bico.


Porque o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas.



Por Null




Tudo que parece meio bobo é sempre muito bonito, porque não tem complicação. Coisa simples é lindo. E existe muito pouco...



Depois de todas as tempestades e naufrágios o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro.











Caio Fernando Loureiro de Abreu , ou Caio Fernando Abreu, nasceu em Santiago-RS, em 12 de setembro de 1948 e faleceu prematuramente em 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre, onde vivia.
Jornalista, dramaturgo e escritor.

Caio estudou Letras e Artes Cênicas na UFRGS. Abandonou os cursos para trabalhar como jornalista em revistas como Nova, Manchete, Veja e Pop, além de colaborar com o Correio do Povo, Zero Hora, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo.
Em 1968, perseguido pelo DOPS, refugiou-se no sítio de uma amiga, a escritora Hilda Hilst, em Campinas. No início da década de 1970, ele se exilou por um ano na Europa, morando na Espanha, Suécia, Países Baixos, Inglaterra e França.
Em 1974, Caio F. retornou a Porto Alegre.
Em 1983, mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 1985, para São Paulo. A convite da Casa dos Escritores Estrangeiros, voltou à França em 1994, regressando ao Brasil no mesmo ano, ao descobrir que era portador de HIV - não escondia que era homossexual.
Um ano depois, Caio Fernando Abreu voltou a viver novamente com seus pais, tempo durante o qual se dedicaria à jardinagem, cuidando de roseiras. Morreu no Hospital Mãe de Deus em Porto Alegre.

“Os primeiros estudos sobre a obra de Caio F. tinham enfoque na homossexualidade e no erotismo presentes em seus textos. Em meados dos anos 2000, houve um crescimento expressivo no número de pesquisas com enfoque em outras questões. Ou seja, a obra desse escritor é múltipla, permitindo uma série de leituras”, comenta a tradutora e intérprete Lara Souto Santana, de São Paulo, que pesquisa a obra do escritor. Ela participou da edição de A Vida Gritando nos Cantos, coletânea de crônicas publicadas em O Estado de S.Paulo entre 1986 e 1996.
Retratava em seus contos, crônicas, romances e peças, grande parte de natureza autobiográfica, a solidão do homem em um cenário urbano, envolvido por questões como a sexualidade e o sexo, a violência, as drogas, a marginalidade, a morte e o amor. Para Lara, Abreu escreveu sobre a dor humana, e isso é algo atemporal. “A obra dele faz referência ao seu tempo. No entanto, esses elementos estão inseridos em um cenário muito maior, que é a alma humana”, opina a pesquisadora.
Paula Dip, amiga do escritor e autora de “Para Sempre Teu”, biografia de Caio, lembra que jamais viu alguém praticar tanto a escrita como ele, seja na profissão de jornalista – que detestava, mas servia para garantir o sustento -, seja fazendo literatura. Para tal, aproveitava-se do que estivesse à mão, fosse a máquina de datilografar, fosse um guardanapo qualquer. Também gostava de escrever em seu diário e de enviar cartas aos amigos e à família praticamente todos os dias –que também já renderam livro. “Nunca vi ninguém tão comprometido e apaixonado pela palavra escrita”, rememora a biógrafa. 
Vencedor de dois prêmios Jabuti (em 1984 e em 1989, na categoria de contos com os livros Triângulo das Águas e Os Dragões Não Conhecem o Paraíso, respectivamente), Caio F. é um dos poucos escritores que alcançaram a glória literária ainda em vida. Sua obra, que passou algum tempo sem ser repaginada, voltou a ser editada pela editora Agir. 

Livros: A obra de Caio teve edições em vários países.

Contos
Inventário do Irremediável
O Ovo Apunhalado
Pedras de Calcutá
Morangos Mofados
Os Dragões não conhecem o Paraíso
Ovelhas Negras

Novelas
Triângulo das Águas
As Frangas, novela infanto-juvenil. Ilustração de Rui de Oliveira.
Limite Branco
Onde Andará Dulce Veiga?: um romance B.

Teatro
A Maldição do Vale Negro. Escrita em parceria com Luiz Arthur Nunes.
Comunidade do Arco-Íris (edição infantojuvenil). Ilustrado por Victor Tavares.

Tradução
A Balada do Café Triste, de Carson McCullers, 1991.
A Arte da Guerra, de Sun Tzu, 1995 (com Miriam Paglia).
Assim Vivemos Agora, de Susan Sontag, 1995.

Outros
Estranhos Estrangeiros (contos e novelas)
Pequenas Epifanias (crônicas; organização de Gil França Veloso)
Girassóis (crônica, literatura infantojuvenil). Ilustrações de Paulo Portella Filho.
Fragmentos: 8 histórias e um conto inédito. Seleção de Luciano Alabarse.
Caio Fernando Abreu: cartas (correspondências). Organização de Italo Moriconi.
A vida gritando nos cantos (crônicas inéditas em livro).
Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu. Organização de Letícia da Costa Chaplin e Márcia Ivana de Lima e Silva
Caio Fernando Abreu: de A a Z (citações)

Antologias
Mel & Girassóis. Seleção de Regina Zilberman.

Caio em 3D
o essencial da década de 70. Seleção de Valéria Sanalios e apresentação de Maria Adelaide Amaral.
o essencial da década de 80. Seleção de Valéria Sanalios e apresentação de Márcia Denser.
o essencial da década de 90. Seleção de Valéria Sanalios e apresentação de Marcelo Pen.
Melhores contos: Caio Fernando Abreu. Seleção de Marcelo Secron Bessa
Além do ponto e outros contos. Seleção de Luís Augusto Fischer.

Contos Completos
Companhia das Letras, 2018.


Cinema

Muitas de suas obras geraram produções audiovisuais. Em 2016, um evento intitulado Semana Caio Mon Amour, com curadoria de Paula Dip, reuniu uma série de obras relacionadas ao escritor – entre os filmes, uma série de curtas foram exibidos: Dama da Noite (1999), de Mario Diamante; Pela Passagem de Uma Grande Dor (2006), de Bruno Polidoro; Linda, Uma História Horrível (2013), de Bruno Gularte Barreto e Bruno Polidoro; Para Sempre Teu, Caio F. (2014), de Candé Salles e Onde Andará Dulce Veiga (2008), de Guilherme de Almeida Prado.
Outro curta baseado em obra de Caio bastante respeitado é A Visita, com direção de Gilberto Perin.
Mas uma das obras cinematográficas mais relevantes relacionadas a Caio Fernando Abreu, no entanto, é Sobre Sete Ondas Espumantes (2013), documentário de Bruno Polidoro que usa trechos de obras e depoimentos de pessoas relacionadas ao escritor para mostrar lugares que fizeram parte de sua produção literária.





Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã...







Tive o privilégio

Em 1975 entrei na faculdade de Jornalismo. 
Devo ter pensado: Agora sim, vou escrever!
Desde os tempos de colégio era metido. Tive até um jornal, que era lido todas as sextas na sala de aula, no Científico do Colégio Champagnat. Lia muito. Demais até, porque deixava de fazer os trabalhos que valiam nota. Tinha até carnês das Livrarias Sulina e Globo.
Era época do auge do conto.
Comprava todo dia a Folha da Manhã, um jornal que tinha um ar moderno, com grandes jornalistas.
De tanto ler contos (tinha uma revista chamada Escrita) que arrisquei. Produzia muito.
Na faculdade alguém me disse que iria ter a continuação de um livro, que se chamou Teia. Só com os grandes da época, como o Caio Fernando Abreu. Imagina! Me convidaram para participar de um grupo e lá fui eu com os meus contos. As reuniões eram na casa do Alberto Crusius, com um pessoal que estava começando. Era muito legal.
Pra resumir, fizemos o Teia - 2 e foi lançado no último dia da Feira do Livro, no encerramento. Acredito que em 1976. Foi um sucesso. Para terem uma ideia, até o Caio foi no lançamento.. Depois, claro, invadimos o Alaska, na avenida Osvaldo Aranha.
Depois ele organizou uma coletânea que nunca saiu, Assim escrevem os Gaúchos - Inéditos. E eu fui um dos selecionados pelo... Caio. Aí cada vez que conversava com ele era um fato histórico. E mais: ele me chamava de Prévidi!! Ou seja, eu existia para ele.
Não conversei inúmeras vezes com ele,mas trocamos algumas ideias.
Quando morreu, o que apareceu amigo do Caio não foi mole. Todos eram íntimos, confidentes, etc.
Todos tinham uma carta escrita por ele, que era guardada a sete chaves.
Muita cascata.
Infelizmente não tenho uma foto com o Caio.
Na época não tinha a facilidade de hoje.
Mas garanto que ele sempre esteve nos meus pensamentos.
Ah, conheci o Caio, na real, quando li O Ovo Apunhalado, de 1975.
Depois, um clássico, Morangos Mofados.
Na Playboy ele publicou contos maravilhosos.





"...fica sempre uma saudade do seu olho claro"


Do Caio para o Nei


Perguntei ao Nei Duclós se o Caio tinha, mesmo, participado do Teia - não tenho o livro onde estou, mas tinha quase certeza.
Aí leiam o que ele mandou!!
SENSACIONAL!!


CARTA DE CAIO F: "EU SEMPRE PENSANDO EM PINTAR"

Com essa carta curta, que tinha mais por objetivo me convocar para fazer parte de uma matéria para a revista Escrita, retomo a publicação da correspondência de Caio Fernando Abreu para mim nos anos 70. Ele estava passando uma temporada na praia no verão. (Nei Duclós).

" tramandaí 18.1.76
nei:
culpa na consciência. devia ter procurado você – para alegrar a mim mesmo. agitaçoes, piraçoes, dançaçoes, a tecla do til e do acento circunflexo estragada, como você já deve ter notado. o tempo indo embora. sempre.
não sei se san martin procurou você e te informou do assunto. em caso contrário, seguinte: não sei se você conhece uma revista de SP chamada “escrita”. bem, é uma boa revista. vagamente bunda-mole – mas que se há de fazer? eles mandaram me pedir uma matéria sobre o pessoal do “teia” e “há margem” (incrível observar como a coisa repercutiu lá em cima e aqui, niente). então eu to pedindo pra todos os participantes um pequeno depoimento por escrito, coisa entre meia e uma lauda. o que significou, em termos pessoais, a experiência, o possível prosseguimento ou validade desse tipo de publicação. o que pintar na sua cuca. você pode fazer isso?
outra coisa: meu prazo para fazer a matéria é até fim de janeiro. vou ficar aqui até justamente dia 30. então pediria a você que enviasse pelo correio ao meu endereço em porto alegre. meu irmão tá lá, vem nos fins-de-semana e traz correspondência. daí eu escrevo tudo aqui.
tive com levitan ontem em Atlântida. ele me deu notícias do seu “outubro”. fiquei contente. tudo dando certo. sem surpresa a censura ielesca. órgão do sistema é isso aí. san martin deu notícias suas, também. eu sempre pensando em pintar, mas difícil no meio de muitas insônias, amores malditos, alguns porres, quedas no poço com eventuais voos, desejos estranhos, vontade de cair da boca etc. etc. etc. fica sempre uma saudade do seu olho claro. e um verso na minha cuca, a propósito de muitas coisas despropositadas que tem acontecido: “antigamente os amigos não partiam de maneira tao fria”.
mas tudo bem. hoje tem lua cheia. o som do utopia foi lindo e o por do sol laranja. a casa vazia. uma túnica indiana e um pacote de omo no meu campo visual.
seu
caio "
RETORNO 
1. Pintar é aparecer, comparecer. 2. Cair da boca é se mandar, ir embora do lugar. 3. Mantive todos os erros de digitação, provocados pelo problema no teclado de Caio. 4. Utopia foi uma banda de grande repercussão e importância em Porto Alegre naqueles idos. 5. Teia e Há Margem foram duas publicações marginais coletivas produzidas e lançadas em Porto Alegre. 6. O verso a que Caio se refere é deste poema, do meu livro Outubro: INVEJA DO QUE EU FIZ (Nei Duclós): Inveja do que eu fiz/ quando o coração/ não era tão escuro/ e o espaço caminhado/ tão cheio de incerteza// Na cabeça não havia a raiva/ que me arruína/ e a mocidade não era/ tanta desventura//A voz era trêmula/ a mão sem cicatrizes/ e os olhos sabiam/ dos heróis que foram enforcados// Os amigos não partiam/ e ninguém abandonava as casas/ de maneira tão fria// Inveja dos versos que saltavam/ sem esforço/ do tempo que eu fui novo e prematuro/ nascido antes do inverno e suas chuvas.

(Meto a minha colher: "levitan" é Claudio Levitan, músico e escritor. "san martin" é Eduardo San Martin, jornalista e escritor)

MAIS CARTAS?


Não estou fazendo nada errado, só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas.






 A Morte dos Girassóis
(Publicado no livro “Pequenas Epifanias”
- Editora Nova Fronteira, 2014)




Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me olhando, pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me virar para trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas havia apenas os brincos-de-princesa, a enredadeira subindo tenta pelos cordões, rosas cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse oi, ele ficou mais pálido. Perguntei que-que foi, e ele enfim suspirou: “Me disseram no Bonfim que você morreu na Quinta-feira.” Eu disse ou pensei em dizer ou de tal forma deveria ter dito que foi como se dissesse: “É verdade, morri sim. Isso que você está vendo é uma aparição, voltei porque não consigo me libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito Egum até desabrochar aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum. Quando passar por lá no Bonfim diz que sim, que morri mesmo, e já faz tempo, lá por agosto do ano passado. Aproveita e avisa o pessoal que é ótimo aqui do outro lado: enfim um lugar sem baixo-astral.”

Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa.

Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas.

Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir.

Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava, e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: “Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente?” O homem ficou me olhando tão pálido quanto aquele vizinho. Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer.

Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto.

Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só apoiei-o numa espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo. Quando parecia quase bom, cráu! Veio uma chuva medonha e deitou-se por terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a ideia: cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do Buda chinês de mãos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda. Não havia como endireitá-lo.

Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para o outro.Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas. Durou pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada, para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à terra, depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte de uma rosa, palma-de-santa-rita, lírio ou azaléia, vai saber que tramas armam as raízes lá embaixo no escuro, em segredo.

Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu? Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo.



O que você mentir eu acredito.



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