Segunda, 28 de outubro de 2013 - parte 2

TATUZINHO

Leo Iolovitch - http://www.olivronanuvem.com.br/


Vinha dirigindo e sentiu algo no nariz, começou com uma leve comichão, depois aquele ligeiro desconforto de um corpo estranho. Expirou com força fechando a boca, mas não aconteceu nada. Então colocou o indicador e iniciou sua busca, remexendo até que conseguiu retirar aquele desagradável tatuzinho, que lhe incomodava. O sinal fechou e aproveitou para olhar a ponta do indicador onde estava seu troféu.

Estava tão absorto, que só então percebeu que a motorista do carro ao lado acompanhava tudo. Olhou-a e ficou vermelho de constrangimento, era uma mulher e isso o incomodava mais ainda. O sinal abriu e os carros partiram.

Seguiu em baixa velocidade para não emparelhar com o carro da testemunha da sua cena constrangedora.

Chegou ao trabalho querendo esquecer o ocorrido, juntou-se com outro colega e foram para uma reunião importante com a diretoria um cliente novo. Entram na sala e a diretora de marketing é uma mulher. Muita coincidência; é aquela que o viu furungando no nariz. Para evitar mais embaraços, limitou-se a cumprimentar protocolarmente todos e, logo, iniciou sua exposição com o auxílio do computador. Durante todo o tempo ele ficava pensando se era mesmo ela, ou estava ficando paranóico. Na dúvida não quis dar chance ao azar e concentrou-se na apresentação, sem olhar para os presentes.

Encerrada a reunião a diretora dirigiu-se a ele, dizendo que achava que o conhecia. Nem deixou que ela prosseguisse e atalhou de forma quase descortês dizendo: “Não”.

Sua resposta causou um breve mal estar, imediatamente contornado com um pedido de desculpas, quando notou que tinha sido grosseiro. Ao perceber seu erro e entendendo que poderia ser o protagonista involuntário de um insucesso comercial, mudou radicalmente de atitude e da frieza partiu para a sedução.

Tão intenso foi seu empenho, que não apenas desfez a má impressão, como terminou com um convite para jantar.

Bastante vaidoso, ocupava-se muito com sua imagem, e isso era tão intenso, que queria impressionar, para apagar o acontecido na sinaleira.

Quando ela chegou ao restaurante, foi que percebeu que tinha alguns quilos a mais que o seu padrão de exigência.

Tinha decidido não permitir que o episódio matinal fosse abordado, embora já tivesse pensado em rinite crônica ou sangramento nasal, para eventual justificativa. Mas preferia não tratar do tema.

A gordinha era simpática, e seu papo muito interessante. Não fez qualquer referência ao passado, nem ao trabalho e só falou de esportes, auto-estima e como manter a um bom astral neste mundo tão competitivo.

Assim a noite passou rápida e outros encontros se sucederam.

Não é possível garantir se era o desejo de apagar a má impressão do dedo no nariz ou o encanto inegável dela, mas passou a caber no seu “padrão de exigência”.

Ela mudou os hábitos dele, que passou a ser menos formal e vaidoso; começou a curtir programas naturais, a boa mesa sem frescuras ou culpa, recuperando uma simplicidade, que nem lembrava mais. Ela adorava fotografia e era fã de cinema. Ele tinha alegria em dividir os gostos com ela.

Uma ocasião ele resolveu perguntar pelo episódio na sinaleira. Ela surpresa, riu muito e disse que não fora com ela. Então ele contou, que aquele fato insólito foi que desencadeou a aproximação entre os dois.

Passaram a viver juntos e eram muito felizes. Ela o fez posar com o dedo no nariz, fez uma foto, que depois transformou em pôster, colocado na sala.

Quem os visitava e não entendia aquela imagem incomum, recebia a resposta, que qualquer um dos dois dizia sorrindo:
“Pois é, tudo começou com um tatuzinho”...

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