Ferro e Mais Ferro - 7 de julho

Pororoca
(Ou, como política e publicidade podem criar um coquetel fatal)

Por Glauco Fonseca

Publicidade não é a arte de dizer a verdade. Não tem esta obrigação. Esta incumbência, a priori, deveria ser da imprensa. A publicidade ainda pode chamar cigarro de “raro prazer”. A imprensa, esta sim, noticia eventuais safras recordes de fumo, ou a implantação de uma fábrica que gerará centenas de novos empregos, assim como os efeitos nocivos do fumo no organismo. Deveria ser desta forma, pelo menos. Este é o principal motivo pelo qual, tradicionalmente, as redações não estão na mesma sala onde operam os executivos de venda de mídia. A publicidade pode ser séria, sim. Todavia, nem sempre o é. Nem a imprensa é sempre assim tão séria e responsável. Deveria ser.
Em um veículo de comunicação, o ideal seria haver uma nítida separação entre o que é editorial e o que é publicidade. Nem sempre é o que acontece. Personalidades tidas como de alta credibilidade, do alto de seus quase cinquenta anos de microfone, ainda tratam funerárias como “minha funerária preferida” (tão tétrico quanto falso). Já uma concorrente da tal funerária preferida faz seu marketing declarando-se que “nem parece funerária”. Está tudo errado, tanto nas agências, nos estúdios quanto nas funerárias.
Entretanto, a publicidade acabou encontrando um substrato úmido e quentinho nos jardins da incensada política. Nada de novo. Afinal, vender um político ou uma gestão pública é o mesmo que vender uma marca de cigarro, certo? Pode até dar certo prazer, mas pode matar. O que mais se destaca na observação de um repetitivo conjunto de problemas envolvendo a publicidade e os políticos é o lugar-comum que existe entre as duas atividades. E este lugar comum chama-se a “desobrigação de se dizer a verdade”. Publicidade não é o discurso da ética, nem da moral e nem dos bons costumes. A política no Brasil também não se preza pela verdade e pelo culto a valores éticos. Política e publicidade são fenômenos separados que, quando se unem, podem gerar enormes enganos. Lembremos Fernando Collor, o caçador de marajás, e do Fome Zero, de Lula. Dois “produtos”: um candidato viril e destemido nos foi vendido e não nos entregaram. Já o outro “produto”, o Fome Zero, já está morto e enterrado, não sem antes guindar seu antigo gestor à presidência da FAO. Exemplos abundam.
Política e publicidade, juntas, precisam ser muito bem controladas, para que ambas fujam o menos possível da verdade. Marcos Valério inaugurou um sistema evoluído de relação entre política e publicidade que foi um coquetel de nitroglicerina pura. Baseava-se no fato de que, haja o que houver, a impunidade garante a continuidade. Exageraram na dose e o petardo explodiu no colo de robustos petistas.
Este assunto é imenso. Dizer a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade é por demais complexo. Se ao menos os políticos falassem a verdade, se fossem mais honestos, obrigariam empresas, empreiteiras e agências a serem menos inverídicas. Se houvesse mais honestidade na política, teríamos mais honestidade na publicidade. Se tivéssemos mais ética na gestão pública, teríamos mais ética nas relações com qualquer tipo de fornecedor.
Política e publicidade podem se unir como salitre e enxofre. No pavilhão da impunidade, no entanto, podem ora criar fugazes fogos de artifício, ora verdadeiras bombas de efeito imoral.

Um comentário: