Fim de Semana - 13 e 14/08 - parte 2

Pai ausente por força divina.
Pai presente e incompetente?


Quanto mais o tempo passava, mais difíceis as lembranças do meu pai. Às vezes me perguntavam se tinha saudade dele. Respondia que sim. Meio sem jeito, me achando mentiroso, porque saudade, pensava, a gente sente de quem está viajando, de quem não se vê há muito tempo.
Tinha outro tipo de sentimento. Não era ou é saudade. Está certo, outro tipo de saudade.
Sempre me acharam muito parecido com ele, inclusive de temperamento. Ficava meio intrigado com essas comparações.
Primeiro, porque ele era quase careca – tinha aquelas entradas e o cabelo fino, muito ralo. E eu não queria ser careca. Nem quase.
Todos diziam que ele era um homem muito bom, excelente caráter. Índole inatacável, falavam. Este ponto, sim, me agradava.
Agora, não gostava da coisa de destacarem a sua calma, a sua incapacidade de levantar a voz. De não discutir, de não brigar. Um homem sereno. E eu não queria ser um sujeito calmo, me via brigando, não de tapas e socos, mas fazendo valer os meus pontos de vista.
A partir dos 12 anos comecei a pensar nisso. Me comparava com meu pai e fazia uma série de exercícios para não esquecê-lo.
Na real, ele jamais esteve ausente. Tinha a impressão que sempre estava ao meu lado. Mesmo que numa determinada época tenha praticamente esquecido a sua voz.
Parece que até preparou a minha vida. Sempre pude estudar em bons colégios, morei bem, viajei, me diverti e quando cheguei aos 18 anos recebi uma grana que ele havia planejado – sabe-se lá a razão. Não éramos ricos, mas vivíamos muito bem.
Sempre, até hoje, sem mais nem menos, me lembro da sua figura. Nas circunstâncias mais diversas. Tentativa para não perder a sua imagem, cada vez mais difusa.
Usava ternos escuros, camisa branca e gravata durante a semana. Nos sábados e domingos, vestia umas camisas de Ban-Lon ou malha que eu achava que não combinava com o seu tipo. E sempre com uma camiseta branca por baixo. Sandálias discretíssimas. Calças de Tergal. Bermudas só em casa.
Sempre estava por perto quando ia trocar de roupa. Queria vê-lo pelado. Não consegui. O máximo foi com as cuecas brancas, samba-canção.
Estava com 47 anos; eu, 12.
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Como era muito parecido com ele – apesar de não ter ficado careca e de brigar muito – tentei me planejar, porque tinha uma leve impressão que não ultrapassaria o limite que ele alcançou. E logo depois dos 40 comecei a contagem regressiva.
Tentei – e só eu sei como – imitar o meu pai, em tudo que me concedeu. Foi muito difícil e sei que não consegui. Me aproximei, é verdade, do que havia planejado, e, resignado, repetia diariamente algumas coisas boas ficarão para os dois herdeiros de pouquíssimas dívidas.
Quanto mais se aproximava o aniversário derradeiro mais a angústia aumentava por não poder deixar para eles tudo o que havia recebido do meu pai.
O tempo foi passando e a minha conjetura fatal não se concretizava. E, óbvio, não aconteceu, mesmo que eu tenha insistido em ser desregrado. Descomedido é pouco.
Hoje não tenho mais a fissura de imitar o meu pai. Só tento manter-me fiel a pontos de seu temperamento. Não me importo mais se ficar completamente careca. E meus filhos já se cansaram de me ver pelado.
Ficava muito angustiado de não mais vê-los, de não vibrar com suas realizações e até mesmo de brigarmos por qualquer bobagem. Ansiedade inútil.
Estou com 57 anos; eles com 26 e 22.
Felizes.

4 comentários:

  1. Lindo. Lembrei do meu pai e chorei. Morreu, mineiro aposentado, recebendo pouco mais do que um salário mínimo. Ele não deixou para nós um torrão de terra, sequer, como herança, a não ser o exemplo de honestidade.

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  2. Belíssimo texto.

    Um grande abraço a todos os pais, em especial ao Sr Luiz Lúcio a quem, novamente, não poderei abraçar nesta data.

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  3. Que tocante esse teu texto! Adorei ler. Um jeito sincero de mostrar o amor por teu pai. Parabéns

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  4. Curioso,muito bonito o texto,mas também achei que ia morrer com 56(idade do meu pai)e até um texo escrevi sobre onde estaria.Passou,to com 62 e acho que vou um poucomais longe.Meu pai foi um homem muito inteligente,seu Jacinto do Arroio Grande.

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